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2º Intercâmbio Brasil-Moçambique: articulando Territórios, Lutas e Sonhos é realizado com colaboração do Instituto Pacs

Nos dias 07 e 08 de outubro de 2021, o Instituto PACS colaborou com a realização do 2º Intercâmbio Brasil-Moçambique: articulando Territórios, Lutas e Sonhos, promovido pela Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV), em parceria com a Rede Justiça nos Trilhos (JNT) e a Associação de Apoio e Assessoria Jurídica às Comunidades (AAAJC).

O evento, que englobou debates e momentos culturais, reuniu participantes de diversas partes do Brasil (Pará, Maranhão e Rio de Janeiro) e províncias moçambicanas (Tete, Niassa e Maputo), com a finalidade de aproximar comunidades irmanadas na luta contra a mineradora Vale e consolidar um espaço fértil e seguro de mobilização, denúncia e intercâmbio de experiências. Assim, também dá seguimento a esforços prévios de articulação, como o 1º Intercâmbio de Juventudes Brasil-Moçambique, realizado em maio de 2021.

De Moçambique, A Associação de Apoio e Assistência Jurídica as Comunidades – (AAAJC) deu um panorama das violações de direitos humanos cometidas pela Vale em áreas de Moatize, na província de Tete, a partir de 2006. A Associação testemunhou o abandono em que se encontram as comunidades impactadas pela mineradora e que tiveram suas formas de convivência entregues à sorte. Ao contrário do discurso da Vale, não houve melhoria na renda e qualidade de vida local, mas sua completa precarização, a começar pelos reassentamentos compulsórios das comunidades para terras distantes, não aráveis e casas de qualidade duvidosa.

Além disso, os grupos deslocados da região tiveram também a sua segurança e alimentação afetadas, uma vez que a maior distância dos centros urbanos os expõe a roubos e violências diversas em seus trajetos até Vila Moatize e Tete. Comunidades como Catete, Nchenga, Mpandue, Mphonde e Bagamoio estão entre as que vivem um ambiente deplorável e de desespero devido à poluição sonora e crescente degradação ambiental (dos rios, ar e solo) provocados pelas atividades da Vale, sob o olhar impune do governo moçambicano. 

Outros problemas reportados foram a falta de reassentamento, o fraco envolvimento da comunidade nas consultas comunitárias e processos de tomada de decisão da companhia, além de conflitos envolvendo indenizações e repressão policial às contestações populares. Essa realidade não é nada distante daquela imposta pelo “modelo mineral depredador dominante” que representa a Vale, de acordo com a organização Justiça Nos Trilhos (JNT), que atua no fortalecimento de comunidades do Corredor Carajás denunciando violações dos direitos humanos e da natureza.

No encontro, a JNT reportou o cenário brasileiro a partir das vivências das comunidades do estado do Maranhão, atravessadas pelo transporte de minérios por meio da ferrovia da Vale, símbolo emblemático da atuação diuturna da mineradora em prol da exploração de minério de ferro e manutenção de seus lucros. O empreendimento foi construído para escoar a produção da maior mina de minério de ferro a céu aberto no mundo, operada pela companhia no sudoeste do Pará/Brasil.  

A representatividade do Projeto Carajás se reverbera em números: em 2020, a companhia Vale reteve 45,7% de todo o faturamento do setor mineral brasileiro, tamanha a concentração de suas atividades e poder. Por essas porcentagens serem mobilizadas com frequência pela empresa em sua narrativa de promoção à economia nacional, faz-se, assim, o desafio das articulações populares: mostrar, a partir das vivências dos e das atingidas, que esse desenvolvimento se pauta na desigualdade e na destruição da natureza e, portanto, na destruição da vida.

A JNT abordou ainda os diversos conflitos envolvendo território, raça e gênero, trazidos pela Vale e outras empresas ao Maranhão, dando ênfase aos impactos intensificados de suas atividades sobre a vida de meninas e mulheres, muitas delas quilombolas. A mineração e a estrada de ferro comprometem, por exemplo, todo o ciclo vivo da água, o que é sentido diretamente pelas mulheres que necessitam dela para cozinhar, lavar roupas e manter suas famílias. 

Outros pontos levantados foram os questionamentos feitos por essas mulheres ao redor do Corredor Carajás: “Como garantir os peixes que nutrem a comunidade, com rios adoecidos? Como garantir a reprodução da vida?”. Os depoimentos são repletos de lamento e saudade dos igarapés limpos e rios abundantes de outrora, que hoje, se não mortos ou secos, estão gravemente ameaçados pela mineradora Vale.

Parte do 2º Intercâmbio Brasil-Moçambique foi dedicada à exposição da articulação de luta ocorrida entre as comunidades de Piquiá de Baixo, no Maranhão, e de Santa Cruz, Rio de Janeiro, ambas impactadas pelos megaprojetos de desenvolvimento ligados à siderurgia e, entre outras companhias, à Vale. Em comum, encontra-se um cotidiano marcado pela poluição do ar, sonora e da água (ou escassez dela), que geram danos à saúde e à vida dos moradores. 

O intercâmbio tem o objetivo de fortalecer os laços entre comunidades do Brasil e Moçambique que, em continentes distintos, sentem impactos semelhantes da atividade mineradora da Vale em suas vidas. Mediante o diálogo e partilha de denúncia e saberes, consolidou-se o interesse das comunidades de Moatize em reproduzir a experiência de monitoramento popular ocorrida no Brasil, já que, entre elas, é crescente o número de óbitos e doenças respiratórias, causados pelas atividades da companhia. Desse modo, espera-se que projetos conjuntos possam florescer, de modo que as coletividades, no Brasil, na África e alhures, possam avançar na responsabilização da Vale e outras corporações que violam os direitos dos povos e da natureza.

Que a luta siga! De mãos dadas estamos.