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Povos e comunidades tradicionais de Sergipe divulgam carta pública sobre derramamento de óleo no Nordeste

Uma articulação entre comunidades tradicionais de Sergipe deu fruto a uma carta pública de denúncia e reivindicação por ações de reparação do governo ao litoral nordestino, que tem sofrido há meses os impactos do maior crime em extensão da história do Brasil. Os nove estados da região foram contaminados por um derramamento de óleo que, de acordo com o Ibama, teve início em 30 de agosto, na cidade de Conde, no sul da Paraíba, e vem causando impactos irreversíveis para o meio ambiente e a população destes territórios.

O documento traz a voz de pescadoras(es) artesanais, marisqueiras, catadores(as) de mangaba, quilombolas, camponeses(as) e demais povos da região que dependem de seus ecossistemas e suas formas de vida, além de ter sido assinada por coletivos, organizações, grupos, articulações, redes e instituições de todo o Brasil, incluindo o Instituto Pacs.

Leia a carta na íntegra:

“CARTA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DE SERGIPE À SOCIEDADE SOBRE O DERRAMAMENTO DE ÓLEO NO LITORAL NORDESTINO

Nós, pescadoras e pescadores artesanais, marisqueiras, catadoras e catadores de mangaba, quilombolas, camponesas e camponeses e demais povos e comunidades tradicionais costeiras, dependentes dos territórios pesqueiros, dependentes das dinâmicas das águas, marítimas e continentais e seus ecossistemas como restingas e manguezais, denunciamos ao poder público e à sociedade civil, os impactos irreversíveis causados pelo gravíssimo crime ambiental decorrente do derramamento de óleo no litoral nordestino.

Trata-se do maior crime ambiental em extensão da história do Brasil, com mais de 2.100 quilômetros atingidos até o momento, cujos primeiros registros são de 30 de agosto e que atinge toda costa do estado de Sergipe desde 24 de setembro do presente ano. Prestamos solidariedade aos povos e comunidades tradicionais de toda região, pedimos ajuda e apresentamos nossas reivindicações para imediata providência.

O derramamento criminoso do óleo é um dos capítulos mais tristes da nossa história, de impacto sem precedentes sobre nossos territórios de vida e que se soma a outros ataques que já recebemos cotidianamente. O óleo derramado – e a omissão do Estado brasileiro na resolução e contingenciamento do problema – atinge de forma direta o equilíbrio do meio ambiente e, consequentemente, a pesca, a mariscagem e a cata das frutas nativas e as demais formas de agroextrativismo nestas áreas. É de
percepção pública e notória a omissão e despreparo do governo brasileiro que, como afirma o Ministério Público Federal em suas ações recentemente propostas, parece ainda não ter se atentado para a gravidade do problema.

O Estado brasileiro omite as informações que são de interesse coletivo. Não
temos informações precisas sobre o tempo e dimensão dos impactos. Sentimos na pele os reflexos do desmonte das políticas ambientais e da conivência e compromisso estatal com a ação de agentes e empresas que colocam o lucro acima da vida. O cheiro dos rios, dos mangues e do mar é o cheiro de nossos corpos. A política de desenvolvimento custa a natureza, custa as comunidades tradicionais, custa a vida.

Enquanto o petróleo é derramado sobre nós, o governo se preocupa com o leilão de novos blocos exploratórios. Não é de hoje que denunciamos o nosso extermínio, Povos e Comunidades Tradicionais que fazemos da natureza o lugar onde nascemos, crescemos e produzimos a vida. Estamos sendo impedidos e impedidas de praticar a pesca, a coleta das frutas nativas, a mariscagem, a agricultura. Nosso território está sendo destruído e cercado.

Estamos sendo atacados!

Nós nos somamos ao coro de toda sociedade pela limpeza imediata das áreas e contenção do óleo antes que adentrem em locais de difícil remoção, como mangues, arrecifes e rios. Em muitos lugares, nós, em mutirões, temos sido responsáveis pela retirada do óleo, muitas vezes sem apoio ou orientação dos poderes públicos. Mas defender nosso ambiente é necessário e não podemos esperar.

Por sobrevivência, muitos e muitas de nós estamos exercendo nossas
atividades em ambientes contaminados ou não teremos o que comer e como alimentar nossas famílias. Reivindicamos políticas de indenização imediata que assegurem renda básica e dignidade a nossa gente. O seguro defeso é um direito dos pescadores e pescadoras e não uma política de reparação de crimes ambientais. A antecipação do pagamento do benefício previdenciário não garante que todos e todas de n

Ressaltamos a necessidade de ter uma política que reconheça a existência de uma cadeia produtiva comunitária diretamente atingida que não se restringe aos pescadores e pescadoras beneficiárias do seguro defeso. Somos também homens e mulheres que atuamos no beneficiamento do pescado, no trabalho doméstico, no turismo de base comunitária, no comércio formal e ambulante, entre outras atividades que necessitam de uma política pública que viabilize as condições de vida diante deste
crime ambiental.

Não temos uma política de saúde comprometida com as nossas demandas e isto fica ainda mais evidenciado com o crime ambiental do derramamento do petróleo. São inúmeros os casos, entre nós e em diversas comunidades, de queimaduras e coceiras na pele, ardência nos olhos, infecções intestinais. O óleo, quando em contato com os pelos e cabelos, é impossível de ser retirado, só nos restando a raspagem. É urgente a articulação das estratégias de saúde integral das populações do campo, das florestas e das águas.

É necessário que o poder público e o sistema de justiça, nas suas diferentes
instâncias e órgãos, se articulem com ampla participação da sociedade civil e de nossas entidades representativas para garantir o que é nosso por direito. Poucos não falarão em nomes de todos e todas nós!

O crime ambiental do derramamento do óleo nas praias é mais uma etapa do avanço dos megaempreendimentos sobre as nossas comunidades. A ação da indústria petrolífera – e energética de modo geral – impacta diretamente nós Povos e Comunidades Tradicionais. Afugentam o pescado com a super sonoridade, nos expulsam nossos territórios, matam os nossos mares com derramamento de óleo, entre outros crimes. Estas indústrias se somam a outras, como a carcinicultura (carcimorte), que destrói os manguezais, polui as águas e altera os nichos de todas as espécies costeiras; A pesca predatória, que acaba com as comunidades de peixes; A especulação imobiliária, que nos afasta das nossas terras, matas e águas; A cana-de- açúcar, a criação de gado e o plantio de eucalipto, que destroem as matas e aumentam os latifúndios; Em conjunto, impedem nossas passagens de acesso às águas e fecham nossos portos, nossas entradas e beiradas.

Em pouco tempo, nossas comunidades não poderão realizar as atividades e
comercializar o pescado e outros produtos da sociobiodiversidade, fonte de renda de nossas famílias. Em longo prazo, ficam ameaçadas a segurança hídrica, econômica e nutricional de nossas comunidades – e da sociedade como um todo.

Tire óleo do caminho que eu quero passar
Tire o óleo do caminho que eu quero pescar
Tire o óleo do caminho que eu quero mariscar
Tire o óleo do caminho que eu quero catar
Tire o óleo do caminho, aqui é meu lugar
(Fio, Pacatuba/Sergipe)

Sergipe, Outubro de 2019

Assinam esta carta:

AscoAbais
Associação Agroextrativista São Sebastião de Pirambu
Associação Beneficente da Cidade de Jandaíra
Associação Comunitária Nossa Senhora do Parto do Povoado Tijupares e Junça
Associação das Catadoras de Mangaba de Indiaroba
Associação das Catadoras e Catadores de Mangaba do Município de Barra dos Coqueiros
Associação de Catadores de Mangaba Renascer do Povoado Baixa Grande
Associação de Catadores e Catadoras de Mangaba Padre Luiz Lemper Associação de Desenvolvimento Comunitário do Povoado Caueira
Associação de Desenvolvimento Comunitário do Povoado Terra Dura
Associação de Moradores do povoado Coqueiro (AMOCoqueiro)
Associação de Moradores Praia de Santo Antônio do Município de Indiaroba
Associação de Pescadores Artesanais da Comunidade de Resina Brejo Grande
Associação de Pescadores de Brejo Grande
Associação de Pescadores do Povoado Tigre
Associação de Pescadores e Pescadeiras da Coroa do Meio
Associação de Pescadores Marisqueiras e Catadores de Caranguejo Bom Jesus dos Navegantes de Brejo Grande
Associação de Pescadores São Pedro do Povoado de Santana dos Frades
Associação de Quilombolas Santa Cruz Brejão dos Negros
Associação do Assentamento Margarida Alves em Jandaíra
Associação do Povoado Massadiço
Associação dos Canoeiros e Usuarios das Tototós do Estado de Sergipe – ASTOTOTÓS
Associação dos Moradores do Loteamento Senhor do Bonfim
Associação dos Pescadores da Atalaia Velha
Associação dos Trabalhadores Rurais de Jandaíra (ASTRAJAN)
Associação Quilombola de Pontal da Barra
Associação Remanescente de Quilombolas São José Zé Brandão de Castro
Associação Remanescentes de Quilombola do Crasto
Associação Sergipana de Hip Hop Aliados Pelo Verso – ALPV
Conselho Pastoral dos Pescadores – Regional Nordeste
Coordenação Nacional Quilombola – CONAQ
Federação Estadual dos Quilombos de Sergipe
Movimento das Catadoras de Mangaba
Movimento das Marisqueiras de Sergipe
Movimento das Mulheres Camponesas – MMC(SE)
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA (SE)
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP (SE)
Movimento Estadual das Comunidades Quilombolas de Sergipe
Afronte (SE)
Auto organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria
Casa de Culto a Orixá Centro Cultural Erukerê

Casa de Mar (Espaço de Arte, Cultura e Educação Omiró)
Coletivo de Mulheres do Erukerê
Colônia de Pescadores Z-16 do município de Brejo Grande
Colônia de Pescadores Z-25 do município de Pacatuba
Colônia de Pescadores Z-66 do município de Jandaíra (BA)
Corrente Sindical Unidade Classista
Diretório Central dos Estudantes-UFS
Fórum de Mulheres de Sergipe
Instituto Ecovida
Liga Manguezal de Futebol Amador do Bairro Porto Dantas
Mídia Livre Os Caatingas
Movimento Negro Unificado – MNU
Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos – MOTU
Movimento por uma Universidade Popular
Associação Atlética Universitária-UFS
Rede de Mulheres de Comunidades Extrativistas Pesqueira da Bahia
Rede Latino-americana de Ecologia Humana
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Brejo Grande
Sociedade Esportiva e Cultural Aliados
União Brasileira de Mulheres – UBM-SE
União da Juventude Comunista
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundos e Fechos de Pasto
Articulação POMERBR
Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais
Associação Amor Castelhanos
Associação dos Pomeranos do Pampa
Associação dos Vazanteiros
Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara – AHOMAR
Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu – ACBANTU
Associação Quilombola do Cumbe – Aracati (CE)
Centro de Estudos e Discussões Romani Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado

Coletivo Caiçara de São Sebastião
Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçara
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
Fórum de Comunidades Tradicionais de Paraty, Angra dos Reis e Ubatuba
Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais Vale do Ribeira
Frente Ampla Democrática Socioambiental – FADS
Grupo de Trabalho da Amazonas (GTA)
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS
Instituto Terramar
Movimento Baía Viva do Rio de Janeiro
Movimento Nacional dos Pescadores
Observatório de Territórios Saudáveis e Sustentáveis da Bocaina
Organização Indígena Tronco Velho Pankararu (TVP)
Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil
Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)
Rede Tucum – Rede Cearense de Turismo Comunitário
Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT Paulista
Sindicato dos Pescadores Profissionais e Pescadores Artesanais do Estado do Rio de Janeiro – SINDIPESCA (RJ)
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia-CDH/CRP19
Coletivo “SOU PORQUE NÓS SOMOS”
Coletivo Mulheres Livres – CML
Coletivo Danielle Bispo: Movimento LGBT
Marcha Mundial de Mulheres-MMC
CABERUR/UFS
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST
Instituto ECOVIDA
FSRMA – Fórum Sergipano das Religiões de Matriz Africana
AFRONTE
CASAMOR/AMOSENTRAS
ASSERMAN/CENARAB
EPS-QUILOMBO
CMMA

Mulheres Independentes/Autoconvocadas
Federação dos Trabalhadores da Agricultura – FETASE
Sindicato dos Engenheiros de Sergipe -SENGE/SE
Sindicato dos Profissionais de Ensino do Município de Aracaju – SINDIPEMA
Sindicato dos Trabalhadores Técnico Administrativos em Educação da UFS –SINTUFS
Sindicato dos Trabalhadores em Educação – SINTESE
Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – SINASEFE
União da Juventude Socialista – UJS
Partido Socialismo e Liberdade- PSOL
Secretaria de Mulheres PT
Pastoral da Criança, paróquia de Jandaíra
Associação dos Agentes Comunitários de Saúde de Jandaíra- AASCSJ
Associação de Marisqueiros/as e Pescadores/as de Ponte de Itabatinga
Associação dos Artesãos do Município de Barra dos Coqueiros
APA Articulação Paulista de Agroecologia
AsAMORas Produções
Movimento da População de Rua/RN
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Fórum de Organizações e Entidades Negras de Sergipe
IAESA – Instituto Agroecológico Socioambiental Agenda Mancala21 DHSESA
Beatriz Mesquita – pesquisadora/Fundação Joaquim Nabuco
CirAA – Círculo Argentino de Agroecología
Grupo de Trabajo CLACSO Estudios Criticos del Desarrollo Rural
Encuentro Latinoamericano de Univeridades Transformadoras del Medio e del Social
Elba Núñez, docente investigadora y extensionista de la Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad Nacional de Asunción (FACSO_UNA)
Centros Interdisciplinarios de Salud Comunitaria y Desarrollo Local, Universidad de la Frontera, Chile