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#MulheresTerritóriosdeLuta: defensoras de direitos humanos na América Latina

Por Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)

Tendo em vista o campo de debates Mulheres e Megaprojetos, o Instituto Pacs tem realizado uma série de entrevistas com mulheres lutadoras de diferentes territórios da América Latina. Compartilharemos hoje um fragmento da entrevista realizada com Teresa Boedo, ativista feminista e defensora dos Direitos Humanos. Desde a Guatemala, Teresa é também co-diretora da Iniciativa Mesoamericana de Defensoras de Direitos Humanos e esteve conosco em nosso primeiro episódio do Ciclo de Debates da Campanha #MulheresTerritoriosdeLuta, disponível na integra em nosso canal do YouTube. A entrevista foi realizada por Marina Praça, coordenadora e educadora popular, e Ana Luisa Queiroz, pesquisadora e educadora popular, ambas do Instituto Pacs.

Foto: Iniciativa Mesoamericana de Mujeres Defensoras de Derechos Humanos | Reprodução

Você pode falar de maneira geral sobre o contexto centro-americano em relação aos megaprojetos, sua forma de operação, impactos e as relações de poder que sustentam esses empreendimentos?

Teresa: Então, o que eu queria aportar a respeito do aprofundamento do modelo extrativista na região e dessa necropolítica a qual estamos submetidas, é que há efeitos de violência, de despojo, de deslocamento forçado e repressão cada vez mais elevados contra comunidades inteiras, sobretudo comunidades indígenas, campesinas, afrodescendentes. Isso é uma tendência em que a violência é progressivamente maior e está forçando esse deslocamento massivo, cujo reflexo também vemos agora mesmo em caravanas migrantes na região. Essa luta também se faz sustentável pelo controle dos recursos naturais a partir dos territórios em que as pessoas estão saindo massivamente e isso é importante mencionar. As mobilizações, ou as forças de mobilização, a favor do direito à água, como em El Salvador e também na Guatemala, a partir da aprovação da Lei da Água, como no México, com tudo isso do novo Trem Maia e a exploração dos recursos naturais por um megaprojeto turístico; sofreram com a repressão e a forte violência por parte do Estado e das empresas extrativistas. Cada vez mais, essa violência e essa repressão aumentam, ademais, sem nenhum custo político. E também vemos que há um recrudescimento desses conflitos territoriais. Já não são lutas que permanecem nos territórios, mas os atores que neles intervêm se tornam muito mais complexos. Esse modelo extrativista também está se estendendo e expandindo na região graças ao maior poder que as forças armadas vão tendo nos diferentes Estados. Estão devolvendo o poder às forças armadas e aos militares e isso está provocando um controle territorial por parte dos militares, forças policiais e paramilitares. Dou como exemplo o caso de Honduras, El Salvador e agora mais recentemente na Guatemala, onde os governos estão crescentemente aderindo a uma política de ampliação das tropas de elite, tanto da polícia como das forças armadas, outorgando, fazendo processos de recrutamento massivo, aumentando as forças armadas do país em mais de 10 mil, 15 mil, 20 mil efetivos nos diferentes países. O que também nos preocupa muito nesse processo é o vínculo com a inteligência israelense, a presença de Mosak e a compra de armamento e equipamento bélico dos Estados Unidos.

Por exemplo, em Honduras o exército acaba de receber 4 milhões de dólares para o agronegócio. Desde quando o exército tem competência a nível de agricultura nos países? Então se firmam convênios desse estilo que fazem, unicamente, perpetuar ou facilitar um controle territorial por parte das forças armadas. E o que estamos vendo com muito horror é o aumento das diferentes tropas de elite. Cada vez inventam uma nova polícia — “direção policial de não sei o que”, ou seja, justamente para permitir essa presença que é maior, claro, a nível territorial. Também vemos que as políticas neoliberais recentemente aprovados nos países centro-americanos reduzem o orçamento em educação, em saúde, e o aumentam em temas de investimento estrangeiro e para as forças armadas, o que está aprofundando cada vez mais a desigualdade e o empobrecimento da população.

Esse modelo extrativista também se estende na região e prevalece em nossos países porque é fomentado por parte de atores do Estado. Isto é, com níveis de corrupção e impunidade enormes, para os quais, como dizia, não há nenhum custo político, o que faz com que esse modelo possa se amplificar. E, bom, o que vemos com maior preocupação é que esses conflitos territoriais estão vindo acompanhados cada vez mais de processos de criminalização e judicialização dos defensores da terra, do território e dos bens naturais. Agora vamos apresentar um informe mesoamericano dos últimos três anos (2017, 2018 e 2019), no qual vemos um aumento dos assassinatos especialmente de integrantes e líderes de movimentos campesinos indígenas, a frente de processos de defesa dos recursos naturais, como é o caso de Honduras e Guatemala. Preocupa, principalmente, o nível de assassinatos, mas o que vemos é uma maior judicialização e criminalização em todos os níveis, especialmente das companheiras que estão em defesa do território. Entendendo aqui a criminalização como um fenômeno que se demarca não somente dentro do poder judicial ou do sistema judicial, mas que vai desde campanhas de desprestígio, difamação, estigmatização do trabalho das mulheres defensoras, ameaças, assédios, ou seja, também por parte da comunidade interna às organizações. É um fenômeno que nos preocupa muitíssimo. Esses elementos se ampliam diante da permissividade, que o modelo extrativista está tendo na região.

Como a lógica patriarcal se relaciona com o modelo de produção extrativista neoliberal?

Teresa: Para começar, temos um mapa de atores muito complexo e obviamente patriarcal desde o momento em que vemos uma imbricação de atores estatais e paraestatais, mas também do narcotráfico. A região tem muita força e presença dos narcotraficantes, dos cartéis e las maras[1], e isso se imbrica com os poderes estatais. No entanto, há também nos Estados fortes vínculos com atores evangélicos e neopentecostais, que são historicamente patriarcais e abertamente antifeministas. E que se veem vínculos fortíssimos nas estruturas do Estado, mas também nos poderes militares e elites político-econômicas dos países. Não queremos perder isso de vista, mas também gostaria de mencionar o fato dos mecanismos regionais de direitos humanos estarem liderados por pessoas abertamente antifeministas e antigênero, contrárias ao debate sobre a desigualdade de gênero na região. Faço menção ao Magro da OEA[2], com sua agenda completamente ambivalente com relação aos direitos humanos, com um papel nefasto, sem ser capaz de se posicionar contra as repressões violentas dos Estados e tirando foto com atores bastante duvidosos em toda a região até Nicarágua, mas também na Guatemala e em Porto Rico. Para nós, o intervencionismo e as políticas neocoloniais por parte dos EUA da era Trump têm aumentado. Me parece que há um peso super patriarcal e neocolonial que temos também na região e que tudo isso igualmente vem acompanhado de uma profunda crise da esquerda, em que os aliados dos movimentos sociais ou a sociedade civil organizada estão desvirtuados. E o vemos com respeito à situação em Nicarágua, onde houve uma total negligência por parte das forças de esquerda em falar de uma crise sociopolítica no país.

Podíamos reproduzir a mesma análise de conjuntura sobre o Brasil também.

Teresa: Sim, e é o que falávamos, o tema da ideologia de gênero como um guarda-chuva antifeminista. Outro dia tivemos uma sessão com uma compa brasileira chamada Sonia Correia, que está realizando uma investigação com todos os atores antifeministas na região. Foi um webinar espetacular! Porque pensávamos que era uma coisa que saiu liderada pela igreja católica, mas não. Aqui houve uma imbricação de atores. Ou seja, há um efeito aglutinador bem pensado e bem estruturado de pensamento não tão radical ou extremista, ou conservador, porém que conseguiu através de campanhas como, por exemplo, “não se meta com meu filho[3], que alcançaram um efeito aglutinador de atores que não necessariamente estavam originalmente em uma posição antifeminista ou antigênero, mas que foram conduzidos. Foram construindo essas ofensivas, na medida em que fomos avançando em nossos direitos. Ademais, para nós o perigoso é que tudo isso não vem somente da igreja católica, evangélica e etc. As ofensivas antigênero são igualmente apoiadas por empresas nacionais e internacionais, para seguir conseguindo influências nos diferentes territórios. Uma reflexão necessária é sobre como se imbricaram com esses diferentes atores, incluindo aqui também o crime organizado, para conseguir essa influência, essa presença.

[1] Las Maras é uma referência as gangues existentes em El Salvador.

[2] Organização dos Estados Americanos.

[3] Referência a campanha que promovida pela ultradireita que, dentre outros efeitos, busca retirar conteúdos críticos sobre a desigualdade entre gêneros dos currículos escolares, a partir do guarda-chuva da ideologia de gênero.

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