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Vale S.A e os impactos sentidos pelas mulheres e territórios

Em parceria com a A Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, o Instituto Pacs realizou o 7º Ciclo de Debates Mulheres Territórios de Luta, com o tema “Mulheres e territórios impactados pela Vale S.A”. No debate, questões como os mecanismos de violações de direitos humanos, estratégias de cooptação nos territórios e os impactos da atuação da mineradora foram abordadas pela perspectiva das mulheres, principais afetadas por esta realidade. A iniciativa faz parte da campanha “#MulheresTerritóriosdeLuta”, que traz o caminho das lutas marcadas e vividas pelas mulheres em realidades marcadas pela presença dos megaprojetos de desenvolvimento e que exigem (re)existências.

Foto: Instituto Pacs

No encontro virtual, Mirtha Villanueva, integrante das organizações GRUFIDES e Defensoras de la Vida y de la Pachamama, de Cajamarca (Peru); Sandra Vita, que faz parte do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), de Catas Altas, MG; e Zica Pires, do Quilombo Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru Mirim (MA), estiveram presentes para contar como seus corpos e territórios são cotidianamente impactados pelas atividades da mineradora Vale S.A e como têm resistido e lutado pelos direitos de suas comunidades.

Um dos pontos abordados por Mirtha, que vive em uma região do norte peruano que possui 1 milhão e meio de habitantes, foi como o local, que antes sobrevivia pela agropecuária, tornou-se alvo da mineração a partir de 1990. No país, há bacias e nascentes que desembocam na floresta amazônica e na costa peruana e que foram afetadas pela chegada da atividade mineradora. “As lagoas agora servem de locais de despejo e a contaminação dos rios é visível por conta da mineração. A natureza é tão inteligente que, a partir dos macro invertebrados, se pode notar o nível de contaminação”, explicou. Um local rico por essa biodiversidade, o Vale de Condebamba, é um dos territórios desejados pela brasileira Vale S.A no Peru, e que vem sendo protegido pelas resistências do local.

A mineradora iniciou sua atuação no país em 2005, por meio de um projeto de exploração de uma jazida de fosfato, após acordo firmado entre os então presidentes Alejandro Toledo e Luiz Inácio Lula da Silva. Cinco anos depois, a exploração comercial tomou o país, não só pela mineradora brasileira, como também pelas multinacionais Mosaic, do Canadá, e Mitsui, do Japão. Desde então, o país sofre os impactos da extração do minério dentro da lógica transnacional.

Assim como no Peru, a mineração também é a principal responsável pela contaminação e morte de rios brasileiros, como afirmou Sandra Vita, atingida pela Vale, durante o Ciclo: “Isso não é privilégio do Peru, nós vivemos essa situação em Minas Gerais por causa da Vale e isso é uma das muitas coisas que a gente sente na pele, da contaminação e da diminuição da água. E a mineradora faz com que falte água para a população de vários municípios. Eu quero, desde já, deixar muito claro isso, como é prejudicial pros territórios onde a vale tem empreendimentos, como ela prejudica nessa questão da água”, contou. O Rio São Francisco, um dos mais importantes do Brasil e da América do Sul, que passa por cinco estados e quinhentos e vinte e um municípios, é apenas um exemplo de contaminação causada pelas atividades da mineradora.

O capitalismo desenfreado e as formas de monetização do mundo atual, que geram consequências como as citadas por Mirtha e Sandra, foi ponto levantado na fala de Zica Pires: “A gente vê em todo o lugar o que são os lucros, os ganhos, seja da Vale ou de qualquer outro empreendimento. E aí dá pra pensar tudo com o mesmo peso, sobre o abuso do homem em relação à Terra. De que mineração a gente tem falado? Que modelo minerador é esse que assassina tudo o tempo inteiro?”, questionou. Para ela, que vive em uma região do Maranhão que é impactada pela Vale ao ser atravessada pela Estrada de Ferro Carajás, além rodovias e outros empreendimentos extrativistas, não tem sido considerado todo o desequilíbrio causado: “A gente não tá tendo cuidado de olhar para a Terra como um corpo, um corpo que abriga corpos”.

Sobre os impactos sentidos especificamente pelas mulheres, Mirtha conta que as violações no Peru têm sua base em diferentes aspectos, até mesmo pela diferença cultural e de idioma: “Muitas companheiras indígenas, por exemplo, apenas falam quechua (família de línguas indígenas da América do Sul). Muitas delas sofreram golpes e insultos. Outra questão é que uma mulher mãe solteira, viúva ou que não casou é totalmente desamparada e excluída de seus direitos”. Durante a pandemia, as condições se agravaram ainda mais: “A condição das mulheres e meninas piorou durante esse período, principalmente com a violência doméstica. O problema psicológico e espiritual delas se agravou, as curandeiras não podem seguir seus rituais, as parteiras tampouco podem atuar na comunidade”, explicou.

As mulheres sofrem, até mesmo, quando estão à frente da luta por seus direitos, como contou Sandra: “As pessoas que são envolvidas, principalmente nós mulheres, são criminalizadas de forma covarde”. Na região de Catas Altas, a Vale reprime as resistências por meio da cooptação de pessoas da própria comunidade, que espalham boatos e calúnias com o objetivo de descredibilizar e desqualificar o trabalho feito em função da defesa dos territórios. “É uma violação de direitos tremenda, porque ela (Vale) não respeita nada, nada do espaço que é nosso. Espaço esse que nós sempre estamos e ela chega. Quando partimos em defesa do território, eles tiram fotos e fazem vídeos. A mineradora colocou uma ‘câmera de olho vivo’ que nos vigia 25 horas por dia na Barragem do Mosquito e ela usa vigilantes pra tirar foto, filmar e chamar a política militar pra tirar as pessoas que vão para lá nadar ou pescar”, explicou.

A represa citada por Sandra existe há mais de 20 anos e serve de área de lazer para a população, que aproveita a região para a prática da pesca artesanal, do nado, slackline, escalada, canoagem e outros vários tipos de esporte. O local, tomado pela Vale, tem sido colocado como risco de rompimento, informação que, de acordo com ela, não procede: “Eu desafio a Vale S.A a apresentar os documentos que ela possui dessa barragem e desse território, porque ela não tem nenhum. Eu, como moradora há mais de 30 anos, faço esse desafio porque a barragem é nossa e porque vamos lutar e resistir”, afirmou.

Diante desse contexto, em que pontos positivos praticamente não existem em relação a atuação dos megaprojetos nos territórios, Zica destacou: “A gente está em um mundo em que, eu afirmo, não é possível considerar modelo de mineração nenhum. Esse momento de pandemia, por exemplo, é resultado das inúmeras violências que a gente comete sobre a Terra”. Para ela, a relação de corpo território foi perdida, assim como a relação da humanidade com a natureza. “A gente tem se entendido como elementos individuais e que, na verdade, não somos. Atravessar essa pandemia tem a ver com o entendimento que não existe um modelo de mineração certo, porque minerar significa a morte. É muito simples essa análise, esse pensamento”, finalizou.

O próximo Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta acontecerá no dia 02/09, quarta-feira, às 17h no canal no Youtube do Instituto Pacs.