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Territórios indígenas impactados pelos megaprojetos e pela pandemia
Na 8º edição do Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta, o Instituto Pacs trouxe o tema “Mulheres indígenas e os danos da pandemia e megaprojetos”, com o objetivo de levantar o diálogo sobre a forma como os megaprojetos impactam os territórios e comunidades indígenas, em especial as mulheres, e como esses povos têm resistido às transformações e ao contexto da pandemia do coronavírus. Essa é mais uma iniciativa da campanha que traz o caminho das lutas marcadas e vividas pelas mulheres em realidades marcadas pela presença dos megaprojetos de desenvolvimento e que exigem (re)existências.
O debate virtual, marcado pela mística, contou com a participação de Blanca Chancozo, ecuatoriana fundadora do CONAIE; Maria Torekureudo, da Organização Mulheres Indígenas Takiná de Mato Grosso; Lorena Cabnal, guatemalteca da Red de Sanadoras Ancestrales del Feminismo Comunitario Territorial desde Iximulew; e Telma Taurepang, da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira. Além de contarem os desafios que suas comunidades enfrentam pelas atividades dos megaprojetos e como esses impactos foram intensificados nesse período de pandemia do COVID-19, elas também trouxeram um pouco de suas ancestralidades por meio do fogo e do canto.
Um dos pontos abordados durante o encontro foi como tem sido importante para os povos indígenas o reconhecimento de suas resistências no contexto atual: “Temos aproveitado para aproximar mais ainda nossas organizações, do campo e da cidade, povos indígenas que estamos na luta pela vida”, contou Blanca Chancozo. No Equador, essa união tem se mostrado fundamental, já que nenhum orçamento foi destinado pelo governo para que as comunidades indígenas enfrentassem a pandemia: “Na política de Estado, o orçamento continua somente para as cidades, o urbano, onde estão as pessoas que dominaram e ainda dominam o nosso país. Em nossas comunidades, se perguntarmos qual é o orçamento público destinado, não existe”, explicou. Segundo ela, a sobrevivência nas comunidades tem se dado graças à sabedoria das mulheres, das plantas medicinais e por estarem constantemente redescobrindo conhecimentos.
Além disso, outra questão abordada por Blanca foi como, mesmo em um momento de emergência sanitária, o governo de seu país reduziu o orçamento para setores como educação e saúde para priorizar o pagamento da dívida externa, em função das exigências do Fundo Monetário Internacional: “Precisamos exigir que não paguemos a dívida, nem que nos exijam essas condições de empréstimo, principalmente nesse momento de pandemia”, explicou.
A negligência na assistência à saúde das comunidades indígenas também é uma realidade vivida no Brasil, como apontou Maria Torekureudo: “Com essa pandemia, a gente viu que não tem um plano de saúde específico para atuar nos territórios indígenas. E quando eu falo isso, falo também da questão da perda dos indígenas que estão falecendo com o próprio Corona vírus. A gente vê que não tem nenhuma estrutura, nem pra quem está com o vírus”. Na região em que vive, no Mato Grosso, a forma encontrada pelos indígenas para combater o vírus foi o auto isolamento dos territórios, e o tratamento dos contaminados tem sido realizado pelos próprios indígenas: “A gente faz o tratamento dos nossos parentes à partir dos conhecimentos que a gente já tem e é isso que muitas populações indígenas daqui estão fazendo”, explicou.
Na Guatemala, a união dos povos indígenas também tem sido o ponto de força durante o período de quarentena, em que os impactos afetam principalmente as mulheres, como pontuou Lorena Cabnal: “Houve uma reconfiguração do capitalismo patriarcal pandêmico de violência sobre nossos corpos. Os níveis de suicídio são altos, principalmente entre as mulheres. É importante visibilizar os efeitos da pandemia, mas principalmente visibilizar as diferentes formas de sanação¹ e também de cura das mulheres”, explicou ela. Telma Taurepang também levantou esse ponto pela perspectiva vivida no Brasil: “Nós, mulheres indígenas, somos a cura dessa terra. Nós olhamos os nossos filhos como um todo. Então, precisamos dar as mãos para que o mundo, o nosso planeta terra, a nossa Mãe Terra, seja segurada para as próximas gerações”.
Durante toda a Campanha #MulheresTerritóriosdeLuta, os impactos dos megaprojetos na vida das mulheres e sua intensificação durante o período de pandemia têm sido ponto focal de debate. E são as mulheres as primeiras a sentirem esses impactos nos territórios, como apontou Telma: “Elas são as primeiras porque, quando elas vão no cerrado ou na mata fazer suas colheitas, elas não estão encontrando suas ervas medicinais, suas plantas. Aqui no estado, por exemplo, todo ano tem esse problema das queimadas. Querendo ou não, as ervas medicinais elas vão desaparecendo. Frutas também. E esse é só um dos impactos que as mulheres indígenas sentem”.
Para aquelas que estão à frente na luta, enquanto lideranças que atuam pelos direitos nos territórios, ainda há o desafio de lidar com a violência e criminalização, como explicou Lorena: “Houve um aumento nas situações de perseguição política das mulheres nas comunidades. Ocorreram assassinatos, ameaças às nossas companheiras e o aumento dos riscos político para as nossas vidas”. Apesar disso, ela afirma que os saberes e práticas ancestrais têm contribuído para a resistência: “As formas e sabedorias plurais nos sustentaram e nos sustentarão para não cairmos nas desesperanças diante de tantas lutas que nós temos em nossas vidas”.
Para Maria, diante de todo esse contexto, é preciso uma conscientização do verdadeiro valor dos territórios indígenas: “No senso comum, os territórios indígenas são vistos somente de valor produtivo. O território indígena está para além da terra enquanto materialidade. Ele é o suporte total da vida social e cultural dos povos indígenas. Sem isso, a população corre um grande risco de ir se perdendo”, explicou. Assim como ela, Telma também defendeu a valorização dos povos originários: “Precisamos dar as mãos nesse momento. Porque, se a nação originária desse planeta Terra sucumbir, todos irão. Nós somos os maiores defensores da causa dos nossos territórios”.
Assista o vídeo na íntegra: