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Megaprojetos, dívida externa e financiamento da destruição

No contexto da Semana de Ação Global pela Anulação da Dívida, mobilização internacional que reivindica a anulação, cancelamento e não pagamento das dívidas, o décimo primeiro Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta trouxe o tema “Territórios saqueados pela dívida e a rebeldia das mulheres”. No encontro virtual, foram discutidas questões como a relação dos megaprojetos com as instituições financeiras nacionais e internacionais, além dos impactos de suas atuações nas vidas e nas lutas das mulheres e seus territórios. Essa foi mais uma iniciativa da campanha que traz o caminho das lutas marcadas e vividas em realidades que exigem (re)existências.

No Ciclo, as companheiras Antônia Melo, do Movimento Xingu Vivo Para Sempre; Magnólia Said, do Esplar e Rede Jubileu Sul; e Rosa Rivero, da Marcha Mundial de las Mujeres Macronorte do Peru compartilharam suas experiências e saberes acerca do tema. A mediação ficou por conta de Sandra Quintela, do Instituto Pacs e da Rede Jubileu.

Rosa Rivero trouxe para o debate o contexto vivido no Peru, um dos países que tem os piores cenários de dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI): “​Essa dívida não devemos pagar! Nós somos os verdadeiros credores. Aqui, o crescimento vem gerando desigualdade, enquanto os números de conflitos sociais com os povos se multiplicaram. Todo o aparelho do Estado está criminalizado, militarizando a vida. Todos os nossos planos e políticas nos conduzem a favorecer os megaprojetos e as transacionais”, explicou.

Relacionadas com os megaprojetos, as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) no Peru estão presentes na estrutura do Estado e possuem, por exemplo, associação com a destruição da Amazônia, como afirmou Rosa: “Até os desastres são oportunidades para as IFIS e as empresas. O Estado nunca esteve presente e agora está para apoiar esses megaprojetos, projetos de mineração que destroem os territórios”. Para ela, essa prática neoliberal é destruidora de vidas, reforça a privatização, o livre comércio e provoca o empobrecimento dos orçamentos públicos nacionais.

Diante desse fortalecimento do neoliberalismo, Rosa acredita que os megaprojetos reforçam o sistema de dominação provocado pelas IFIs: “​Eles dominam os territórios e usam bens comuns como mercadorias, destroem, matam, expulsam povos dos seus territórios. Nós, mulheres, resistimos ao poder corporativo, queremos acabar com o poder do mercado em nossas vidas, reafirmar a nossa autonomia”.

Na visão de Antônia Melo, militante pelos direitos humanos há mais de 30 anos, a situação é extremamente grave no cenário político atual. Com o discurso do “desenvolvimento”, megaprojetos como a usina de Belo Monte impactam territórios de forma irreversível: “Esse modelo chamado desenvolvimento, ele é igual em todo o planeta, só muda de endereço. Não tem nada de diferente, a atrocidade, a destruição, o saqueamento é igual, as violações dos direitos humanos, sociais, ambientais, culturais e econômicos são iguais”, afirmou. Diante disso, as mulheres, mais uma vez, estão à frente pela defesa de seus direitos e de suas comunidades, como explicou Antônia: “São as mulheres. Foram as mulheres, são as mulheres e continuam sendo elas que estão na frente, e sofrem dessas angústias, desse sofrimento. Esse ataque aos corpos, à vida, às culturas, aos modos de vida das mulheres, com as suas crianças e sua juventude”.

Na região do Xingu, onde fica instalada a usina, 34% das famílias se encontram atualmente abaixo da linha da pobreza e nenhuma porcentagem dos royalties pagos ao Governo é direcionada para a melhora de vida dessas populações atingidas pelo megaprojeto: “Isso antes nunca aconteceu, antes de Belo Monte todas as pessoas viviam com dignidade. E, hoje, vivem nessa situação”, expôs Antônia. O Movimento Xingu Vivo tem trabalhado para que haja uma lei que direcione parte dessa verba para os moradores da região.

Para Magnólia Said, mesmo com todos esses impactos provocados pelos megaprojetos, que muitas vezes são financiados por IFIs, o interesse do capital e as estratégias de mercado falam mais alto, sempre: “Megaprojeto, seja público ou privado, ele sempre traz esses impactos que já falamos aqui. Interferem, de todas as formas, na qualidade de vida das pessoas, seja a mineração, sejam projetos extrativistas, de integração portuária, projetos de megaeventos… embora, todos eles, sem exceção, assinam acordos para seguir os protocolos ambientais e sociais para minimizar os impactos, na prática a gente sabe que isso não acontece”, afirmou.

Nessa lógica incessável de interesse do capital, países se afundam em dívidas externas para mobilizar recursos visando o desenvolvimento. Como contou Magnólia, empréstimos geram dívidas e a população, mais uma vez, é a maior prejudicada: “O Brasil já está na casa dos trilhões em débito. Para 2021, o Projeto de Lei Orçamentária já está prevendo dois trilhões e duzentos bilhões de reais só com juros e amortização da dívida pública”. No país, 50% do orçamento é destinado a isso, enquanto a sociedade acompanha frequentemente o corte de verba para setores fundamentais como saúde e educação.

Durante o período de pandemia, as IFIs já disponibilizaram pacotes de empréstimos, tanto para o combate ao coronavírus, quanto para o setor privado. Magnólia afirma que isso já tem sido acordado com países endividados, como é o caso do Brasil: “O país fechou agora, em julho, 4,01 bilhões de dólares com três bancos, só para Covid. Então, eu acho que é questão de pensar na lógica. Vocês acham que bancos como esses, que defendem uma política de morte, eles devem continuar no país? É difícil não deixar que eles continuem? É difícil. Nem o relator da ONU conseguiu responsabilizar o Banco Mundial pelas falcatruas que as empresas financiadas por ele fazem. É difícil, mas não é impossível. A comunicação com o povo é fundamental”, concluiu.

Assista o vídeo na íntegra: