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Militarização da vida é tema de ciclo de debates do Instituto Pacs
Com o tema “Militarização da Vida e as resistências das mulheres”, o quinto Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta trouxe a pauta da militarização como uma das faces dos megaprojetos de desenvolvimento a partir do olhar das mulheres e territórios. Essa é mais uma iniciativa da campanha que traz o caminho das lutas marcadas e vividas em realidades que exigem (re)existências, realizada pelo Instituto Pacs.
O debate contou com a participação de três mulheres lideranças na linha de frente da resistência às diferentes facetas da militarização: Rode Murcia, indígena Maya Chorti, defensora dos direitos humanos e ambientais em Honduras e integrante da Coordinadora Nacional de Mujeres Y Negras de Honduras (CONAMIHN); Gizele Martins, jornalista e comunicadora comunitária da Frente de Mobilização da Maré e do Movimento de Favelas do Rio de Janeiro; e Buba Aguiar, socióloga e militante do Coletivo Fala Akari.
As diferentes formas da militarização da vida e suas relações com os megaprojetos, os impactos das violências e ações do Estado nos territórios e o protagonismo das mulheres nas trajetórias de luta foram alguns dos principais pontos abordados durante o debate. Rode Murcia trouxe o contexto atual de luta em Honduras com grande mobilização em função do desaparecimento de cincos jovens Garífunas, grupo étnico estabelecido na costa do Belize e Honduras, no dia 18 de julho. Desde então, o povo garífuna de Sambo Creek tem lutado pelo retorno de seus companheiros, mesmo sob constante repressão do Estado que tenta conter os protestos por meio de violência. “A repressão ao povo que exige seus direitos em Honduras é feita com exército, com balas”, conta Rode.
Esse contexto de violência e repressão por parte do Estado também é uma realidade vivida dentro das favelas no Rio de Janeiro. Gizele Martins, que trabalha com o tema de segurança pública há vinte anos e atua na Maré, conta como o local, nos últimos 10 anos, foi fortemente impactado pela militarização. Ela relembrou a chacina na Maré que resultou em mais de 10 mortes, a chegada dos megaeventos e grandes empresas na cidade, a invasão do exército brasileiro em 2014 e a Operação da Força Nacional em 2016: “A gente enxerga a Maré como um grande laboratório de uma política militarizada e racista. Durante o período em que o exército permaneceu na Maré, a gente viu a criminalização das nossas vidas. A gente viveu o contexto de uma ditadura militar dentro de uma democracia”, contou Gizele.
Ainda nesse contexto de violação, racismo e repressão, Buba Aguiar, que faz parte da militância de Acari, na Zona Norte do Rio de Janeiro, relembrou a Chacina de Acari, que ocorreu no dia 26 de julho de 1990. Na ocasião, 11 jovens, sendo 7 menores de idade, foram retirados de um sítio em Magé, na Baixada Fluminense, onde passavam o dia, por um grupo de homens que se identificaram como policiais: “Faz 30 anos que isso ocorreu e, até hoje, a gente não teve nenhuma respostas sobre os mandantes, sobre o executores. Não encontramos os corpos. A chacina aconteceu dois anos antes do meu nascimento e é uma história que me toca muito. Eu poderia ser um deles, qualquer um de nós poderia ser”, explicou. Buba também falou um pouco sobre a luta das “Mães de Acari”, que buscam até hoje respostas sobre o desaparecimento dos seus filhos: “Eu sempre falo da Edméia, que foi executada no Centro do Rio, justamente por conta da luta que ela travou em nome do filho e dos outros jovens que foram executados e tiveram seus corpos desaparecidos. Ela se tornou uma militante defensora dos direitos do povo preto e favelado”. Edméia era mãe de Luís Henrique da Silva Euzébio e foi assassinado no estacionamento da Estação de Metrô Praça Onze, três anos após a morte do filho.
Sobre o protagonismo das mulheres no contexto de luta dentro das comunidades e a forma como são diretamente impactadas pela militarização nos territórios, Rode contou como em Honduras, que vive um sistema de militarização que busca despojar os povos de seus territórios, os impactos se ampliam sobre as mulheres: “As mulheres indígenas são afetadas de forma direta, pois historicamente são as que exercem o papel de protetoras e defensoras dos bens comuns e dos territórios ancestrais. Nós estamos dispostas a dar as nossas vidas para que nossas futuras gerações tenham um futuro melhor”, pontuou. Em sua fala, Rode explicou ainda que, como defensoras, as mulheres enfrentam um “modelo depredador”, relembrando o caso emblemático e doloroso de Berta Cáceres, que após ter sido julgada, criminalizada e perseguida, foi assassinada em 2016 como resultado de sua atuação em oposição à construção da represa hidroelétrica Agua Zarca, no território indígena Lenca.
Em Honduras, durante o distanciamento social em função do Covid-19, as comunidades indígenas estão abandonadas. Rode destacou durante o encontro virtual a importância da atuação das mulheres durante nesse período: “Elas precisaram se articular e proibir a entrada de forâneos, para evitar a contaminação. As comunidades ainda recebem ameaças e toda essa situação, como organizações, nos ajuda a buscar alternativas, a unir esforços[YB1] ”.
Buba também abordou a importância de se visibilizar a luta das mulheres durante a sua fala: “Muitas vezes, na linha de frente não só da luta, mas das histórias, a gente vê o homem como o forte, mas ali do lado, não atrás, estão as mulheres, porque elas estão atravessas de diversas formas nesses projetos de militarização das vidas. São elas que lotam os presídios nos dias de visita, são elas que vão nos hospitais e delegacias resolver os registros dos pais, irmãos e maridos”. Durante a pandemia, são as mulheres que estão na linha de frente pela garantia dos direitos e da saúde de suas comunidades, como pontuou Buba: “Os homens aparecem como ocupantes de lugares de destaque, mas nada é decidido sem o aval das mulheres que lutam dentro dos seus territórios. São elas que estão nessa luta durante esse período”.
Gizele, organizadora do livro “A Fortaleza das Mulheres”, lançado em 2020 junto ao Instituto Pacs, que traz o ponto de vista de mulheres de diferentes territórios militarizados, também abordou o protagonismo feminino de luta e resistência e o invisibilização das mulheres nas discussões sobre a militarização: “Elas quase não lidam com o tema de militarização, mas são elas que quase sempre estão na linha de frente. Nos debates, não tem mulher falando sobre militarização e segurança pública, mas elas vivem essa realidade e também sabem falar sobre o assunto”, finalizou.
Assista o vídeo na íntegra: