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Pandemia do Covid-19 agrava impactos em territórios de luta de mulheres atingidas por megaprojetos

Por Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)

A crise socioeconômica e as violações de direitos nos territórios são realidades que antecedem o Covid-19. A atuação de megaprojetos de desenvolvimento e as resistências das mulheres aos impactos socioambientais desse contexto, agravado pela pandemia, foram os principais assuntos abordados no primeiro Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta, que trouxe o tema “Megaprojetos e a pandemia no cotidiano de luta das mulheres . A iniciativa faz parte da campanha realizada pelo Instituto Pacs, que traz o caminho das lutas marcadas e vividas em realidades que exigem (re)existências.

Um dos assuntos abordados foram os impactos diferenciados sofridos por defensoras de direitos humanos na América Latina, citados por Teresa Boedo, que faz parte da Iniciativa Mesoamericana de Mulheres Defensoras de Direitos Humanos . A articulação envolve mais de 2 mil mulheres das regiões de Guatemala, México, Honduras, Nicarágua e El Salvador e atua a partir de estratégias de proteção para seus corpos e seus territórios. Segundo Teresa, as defensoras são alvos de criminalização, assédio e deslegitimação social. “Ser mulher e ser defensora em nossos países é uma condição de risco. É preciso tecer redes de cuidado para nossas vidas”, afirma.

O território da Guatemala, onde mora, sofre as consequências de um modelo extrativista no que diz respeito aos recursos naturais das regiões, além de interesses empresariais em serviços públicos como a saúde e a educação. De acordo com Teresa, as estratégias de necropolítica locais podem ser ilustradas com a forte presença da militarização nos territórios. “A crise é anterior ao Covid-19. O contexto pandêmico só tem legitimado cada vez mais o autoritarismo e a política do medo”, aponta a defensora de direitos humanos.

Com a realidade da conjuntura atual, Teresa aponta a necessidade de manifestações por acesso à água e a melhores condições alimentares por conta da crise da fome e desigualdade social na América Latina. Para ela, esse contexto ilustra ainda mais a importância da organização popular pela soberania alimentar nos territórios. “A emergência sanitária agudiza as precarizações sociais e evidencia o colapso dos serviços. Precisamos resistir pelas vidas e pelos recursos naturais”, complementa.

A pauta dos impactos socioambientais causados pela presença de megaprojetos também foi o destaque principal da fala da jornalista Larissa Santos, da Justiça nos Trilhos (JNT). A organização é localizada no Maranhão, território afetado pelo Projeto Grande Carajás, que atravessa o estado do Pará e Maranhão, instituído pela mineradora Vale S.A., e atua no acompanhamento das comunidades, na denúncia dos impactos da cadeira minero-siderúrgica e na cobrança das responsabilidades de empresas e do Estado.

O empreendimento possui um histórico de violações de direitos que atinge diretamente diversas comunidades e povos tradicionais, em especial quilombolas, indígenas, municípios periféricos e áreas rurais. A linha férrea do Corredor Carajás corta os dois estados e tem o intuito de transportar minérios ao longo de toda a sua extensão. De acordo com Larissa, o mapeamento de impactos na população local leva majoritariamente aos corpos das mulheres, as mais afetadas por essa realidade.

Um exemplo disso é o caso das quebradeiras de coco babaçu, atividade realizada inteiramente por mulheres das regiões do Nordeste e Norte. No Maranhão, elas foram afetadas de forma direta pelo desmatamento da área florestal de palmeiras babaçu, além do entupimento de rios, riachos e igarapés, provocando a diminuição ou perda de suas autonomias econômicas. “As violações de direito ao saneamento básico, à alimentação, à água, à saúde, à vida cultural, à liberdade e a renda são uma consequência do que fazem os grandes projetos”, afirma.

O Quilombo Santa Rosa dos Pretos, localizado em Itapecuru Mirim, também sofre com a proximidade da BR 135, que foi duplicada por conta do projeto de expansão do Grande Carajás. Como aponta Larissa, esse é mais um caso que ilustra como a lógica econômica e empresarial passa por cima das comunidades e suas formas de vida, principalmente das mulheres, que são as mais impactadas em seus processos de resistência. “A mesma mulher que está lá e convive com a atuação do empreendimento é a que é criminalizada quando tenta resistir, especialmente durante a pandemia, onde a mineração e o lucro ainda são vistos pelo governo como atividades essenciais”, denuncia.

No que diz respeito ao contexto da pandemia do Covid-19, onde a principal recomendação é lavar as mãos, Larissa traz o debate da falta de acesso à água nos territórios atingidos por megaempreendimentos. “Como podemos fazer o enfrentamento necessário sem o elemento principal, que é a água?”, questiona.

Assim como Larissa, Silvia Baptista também traz a água e o direito à terra como as principais questões a serem debatidas nessa conjuntura. Silvia reside no entorno do Quilombo Cafundá Astrogilda, em Vargem Grande, e integra a Coletiva Popular de Mulheres da Zona Oeste e a Teia de Solidariedade da Zona Oeste, no Rio de Janeiro. Mesmo com os privilégios de uma grande cidade no Sudeste do Brasil, ainda existem territórios na região que não possuem acesso à direitos básicos, como água e saneamento. “É um desprezo ao bem comum por parte das autoridades públicas que isso ainda ocorra no Rio de Janeiro, especialmente agora”, aponta.

Os megaprojetos também atingiram diretamente a agricultura urbana e a agroecologia no Rio de Janeiro. Segundo ela, essa é uma política recorrente de uma lógica colonialista, que afeta populações e territórios até os dias atuais. “Essa realidade desperta ainda mais a resistência e o processo de autoafirmação de populações quilombolas e povos tradicionais na Zona Oeste”, complementa Silvia.

Uma das estratégias de resistência sinalizadas por ela principalmente no agravamento da pandemia é a atuação em redes, articulações e grupos, especialmente formados por mulheres. Silvia acredita que é desde as lutas feministas e territoriais que se alcançará uma verdadeira transformação social. “Precisamos da autogestão e da autonomia dos povos pela defesa das nossas vidas e corpos. Eu sou uma mulher aquilombada. A luta política se faz com aquilombamento.”

Assista o vídeo na íntegra: