Seminário discute transição energética, política climática e financiamento internacional
Movimentos sociais, pesquisadores e organizações estão se articulando para disputar o debate sobre transição energética globalmente evidenciado a partir das demandas de enfrentamento à crise climática.
Aconteceu em Fortaleza (CE), entre os dias 02 e 04 de abril de 2024, o seminário “Transição ou transação energética? Agenda internacional, financiamento e repercussões”, que teve o objetivo de trazer luz ao que está por trás das movimentações de países e grandes corporações cujos interesses econômicos dominam a pauta, repetindo e ampliando os impactos socioambientais provocados pela exploração de energia renovável nos territórios.
O evento foi realizado em uma articulação entre cerca de 18 organizações, movimentos e redes parceiras, entre elas a Rede Jubileu Sul, o Instituto Pacs, Instituto Terramar e Associação Fórum Suape (confira a lista completa ao final desta notícia).
A coordenadora de projetos do Instituto Pacs, Ana Luisa Queiroz, esteve presente e explica que “a proposta do seminário é, em primeiro lugar, seguir no aprofundamento dos saberes sobre esse debate da transição energética, dos elementos que estão em jogo e de que maneira está sendo feita. Segundo, é pensar ações concretas de desdobramento em estratégias, a partir da identificação de quem são os atores envolvidos nesses conflitos, quem joga no campo da “transação” e quem realmente defende uma transição. Então, a partir daqui pensamos de que maneira podemos nos organizar nos debates nacionais e internacionais para defender os territórios e um projeto político de transição”.
O primeiro dia do seminário foi de visitas de intercâmbio de experiências em comunidades impactadas no Ceará: o Quilombo do Cumbe, em Aracati, que há anos enfrenta as injustiças ambientais relacionadas aos parques eólicos e às fazendas de carcinicultura da região; os assentamentos Morrinhos e Queimadas, em Santa Quitéria, que estão na área atingida pelo projeto de mineração de urânio e fosfato; e a comunidade do Conjunto Palmeiras, na periferia de Fortaleza, que desenvolve a experiência dos “sisteminhas” para a segurança e soberania alimentar.
A programação do seminário seguiu na Assembleia Legislativa do Ceará, com mesas de debate sobre as questões que permeiam o modo como a transição energética está sendo pensada, desde os discursos sobre as falsas soluções climáticas, os modelos de financiamento e as consequências ecológicas e sociais dos grandes empreendimentos e negócios previstos.
O deputado estadual Renato Roseno (Psol), que apoiou a realização do evento, destacou em sua fala de abertura a contradição entre as tecnologias que podem solucionar problemas ambientais e a forma como estão sendo implantadas. “A energia certa está sendo colocada do jeito errado, sob um modelo monopolista concentrador de riqueza e gerador de impactos”, afirmou o deputado.
A primeira mesa contou com as contribuições de Sandra Quintela, da Rede Jubileu Sul Brasil e Presidenta do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), e de Soraya Tupinambá, do Instituto Terramar, na análise de conjunta nacional, regional e mundial. O debate esclareceu que, na prática, os números e as projeções mostram que não está sendo de fato pensada uma transição e sim uma adição de fontes renováveis à matriz energética, sem haver redução de investimentos em combustíveis fósseis.
Segundo Soraya, em países como o Brasil, “pelo empobrecimento da população, as compreensões sobre a mudança do clima não são teóricas, mas corporais, por meio da experiência das secas, das enchentes, do calor. A injustiça, o racismo e o colonialismo fazem os efeitos serem ainda mais cruéis e isso é o que nos aprofunda na percepção do que é a mudança do clima”. Ideia reforçada por Sandra, ao lembrar que “a chapa está quente” muito mais para o povo preto que está nas favelas, nas comunidades, nos territórios mais vulnerabilizados.
Na mesa sobre “Atuação das instituições de financiamento na atualidade e a interface com temas como energia e clima”, Magnoia Said, do ESPLAR Centro de Pesquisa e Assessoria, esclareceu o papel de bancos como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Latinoamericano de Integração Econômica e o próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na configuração das ações para enfrentamento à crise climática e transição energética.
Sob condicionantes para o recebimento de financiamentos e empréstimos, as instituições financeiras impõem seus interesses e exercem influência na agenda dos países e na elaboração de políticas públicas. Com os olhares do mundo voltados para a questão climática, os bancos encontram formas de gerar lucros e rendimentos com as propostas de reversão dos impactos da ação humana na natureza.
As professoras Ana Garcia, da Universidade Federal Rural do do Rio de Janeiro (UFRRJ), e Clarice Ferraz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trouxeram suas contribuições para a mesa “Papel dos governos, BRICS, G20, COP, bancos e instituições financeiras multilaterais na impulsão de uma transição energética corporativa”.
O diálogo destacou o protagonismo internacional do Brasil neste momento, ao receber a reunião do G20 em novembro no Rio de Janeiro e a COP30 em 2025, em Belém. Diante disso, está o “desafio de pautar nossa visão sobre transição energética e inseri-la na conjuntura política internacional”, afirmou Ana Garcia. Nesse sentido, acontecerá, antes da reunião do G20 no Rio, a Cúpula dos Povos frente ao G20, com o objetivo de visibilizar as divergências, as pautas e as demandas da sociedade civil.
A professora Clarice Ferraz chamou atenção para o cuidado com a aposta exaltada nas energias renováveis, pois “o aumento da oferta de renovável traz risco de insegurança de abastecimento se não houver gestão e equilíbrio no setor elétrico, que no Brasil está um caos. A transição energética não pode ser padronizada, ela deve ser feita no território, com os recursos locais possíveis de serem transformados”.
A última mesa debateu o tema “Racismo ambiental e demandas estratégicas sobre bens comuns em meio à crise climática”, com a participação de Charles Trocate, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM – Pará), e de Cristiane Faustino, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.
Embora menos evidenciada do que as fontes eólica e solar, a energia nuclear também aparece como uma aposta “barata e limpa” na transição energética, quando na verdade está associada às atividades de mineração historicamente impactantes no Brasil. O MAM é um movimento que surge não somente para se opor aos impactos desses empreendimentos mas também para pensar como construir soberania popular no setor, dialogando outros ritmos, modelos e objetivos.
O seminário encerrou com trabalho de grupos em círculos de reflexão e ação e plenária final para apontar encaminhamentos de continuidade do debate e da luta.
A realização do seminário é resultado de uma articulação organizadora integrada pela Adelco – Associação para Desenvolvimento Local Co-produzido, AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Cáritas Brasileira Regional Ceará, Conselho Pastoral dos Pescadores, De Mãos Dadas Criamos Correnteza, ESPLAR Centro de Pesquisa e Assessoria, Frente por uma Nova Política Energética,Instituto PACS, Instituto Terramar, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, Movimento de Atingidos por Renováveis – MAR, Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM, Observatório da Cultura e Meio Ambiente – Unilab, Rede Brasileira de Justiça Ambiental e Rede Jubileu Sul Brasil, além da parceria com a Associação Fórum Suape, Marcha Mundial de Mulheres e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST Ceará.
O seminário conta ainda com apoio da Cese, Misereor, Fondo de Mujeres del Sur, Fundação Ford, Fundação Rosa Luxemburgo, Fundo Casa Socioambiental, União Europeia, do mandato da deputada federal Luizianne Lins (PT) e do deputado estadual Renato Roseno (Psol), do vereador Gabriel Aguiar (Psol) e das vereadoras da Mandata Nossa Cara (Psol).