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Os impactos da Vale S.A em Cajamarca (Peru), pelo olhar de Mirtha Villanueva

*O texto foi escrito por Karoline Kina, com base na fala de Mirtha Villanueva, integrante das organizações GRUFIDES e Defensoras de la Vida y de la Pachamama, de Cajamarca (Peru), durante o sétimo Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta, cujo tema foi “Mulheres e territórios impactados pela Vale S.A”.

Eu falo de Cajamarca, uma cidade que se localiza no norte peruano e tem 1 milhão e meio de habitantes. Nos anos 1990, a atividade imperante era a agropecuária, mas com Fujimori, presidente do país até o ano de 2000, a mineração domina. A Cordilheira dos Andes, que passa por Cajamarca, possui nascentes de rios, que vão à Bacia Amazônica e à Bacia do Pacífico, e eu diigo isso pela importância que tem Cajamarca pela água que fornece à floresta amazônica e à costa do Peru.

Nos anos 2000, Tivemos uma ameaça com a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), programa conjunto dos governos dos 12 países da América do Sul, quando o ex-presidente Alan García Pérez fez convênio com o governo Lula para construir a Interoceânica, conjunto de rodovias com o objetivo de ligar o Oceano Pacífico até o Brasil, no Norte, Centro e Sul do país.

À parte, estavam as hidroelétricas, pois planejavam construir 21, segundo o convênio ente os presidentes. Mas, felizmente, aqui em Cajamarca não sucumbimos, porque das 21 mega represas que iam instalar no Peru, 3 estavam em território cajamarquense. Segundo o que nos diziam, as construções seriam realizadas para fornecer eletricidade para as comunidades que não tinham energia. Algo totalmente falso, pois as obras visavam beneficiar a mineração.

Fizemos uma forte defesa para que não houvesse essas hidrelétricas. E ganhamos, não as construíram, porque veio todo o problema de corrupção com a Odebrecht. Então, paralisaram a construção, mas eles seguem insistindo em querer entrar no território. As rondas, que são uma estratégia da sociedade civil que se organiza, contam com os vigilantes das comunidades, para que essas empresas não se instalem aqui.

Atualmente, temos 35 projetos de mineração em Cajamarca. Além disso, muitas terras têm sido convertidas para agroexportação, as terras da costa. Esses dois tipos de megaempreendimentos utilizam a água do subsolo. Na parte de Bambamarca, vocês verão rios que vão à floresta, rios vermelhos, rios verdes. Há uma morte terrível de rios! Nós estamos trabalhando com as comunidades e comitês de vigilância ambiental para monitorar a qualidade da água dos rios através dos macroinvertebrados. A natureza é tão inteligente, tão pródiga, que há alguns desse organismos que não podem viver em águas contaminadas, então são indicadores. É como um sistema de alarme precoce e trabalhamos isso com as comunidades e companheiras mulheres.

Aqui, no bairro de Condebamba, a mineradora Vale S.A quis se instalar, e em corrupção com o Estado, tentaram adentrar no segundo vale interandino com a maior biodiversidade do país, o Vale de Condebamba. Foi uma tentativa de instalação nesse local, em que houve, inclusive, criminalizados e criminalizadas. Tratou-se de tirar a mineradora pelos equívocos e abusos que ela já havia cometido com as organizações. E, agora, nesses lugares onde quiseram ingressar, se estabeleceu a mineração informal, contaminando os nossos rios.

Foto: Renato Cosentino | Justiça Global

Um dos problemas que enfrentávamos quando íamos em defesa desses territórios é que havia muita criminalização, por parte da mineradora e do Estado, de defensoras e defensores. Então, a Vale tinha gente camuflada na organização e que ia, tirava fotos, e reportava o que era dito. Temos registros feitos por companheiras sobre esse tipo de espionagem em nosso meio.

Por esse motivo, passamos a estimular e disseminar o jornalismo cidadão, como uma opção para denúncias comunitárias, via rádio, de violação de direitos. Dessa forma, quando elas estão em comunidades distantes e essas empresas fazem algo, há comunicadoras que fazem a denúncia, e dessa forma temos nos defendido.

Gostaria de destacar também que, dentro de todo esse contexto, os impactos recaem intensamente sobre nós, mulheres. Aqui, temos comunidades indígenas de mulheres que falam apenas quechua. Muitas sofrem golpes e insultos quando vão em defesa de suas terras e contra a mineração.

Diante desse machismo perverso que existe, ainda mais nesses tempos de pandemia, se uma mulher campesina é uma mãe solteira, viúva, ou que não casou, ela é totalmente desamparada e violada em seus direitos, porque para semear, para cultivar a terra, é preciso mão de obra. Agora, há homens que vão trabalhar nas minas por um tempo e depois voltam, e quando as mulheres solicitam essa mão de obra, eles exigem pagamentos altos iguais os da mina, por um dia de trabalho.

Então, as companheiras relatam pressões como essas na vida cotidiana. A condição das mulheres e meninas, durante a pandemia, apenas se agravou, com o aumento também da violência doméstica. São problemas psicológicos e espirituais que se desencadearam ou se agravaram com toda essa situação. Nossas curandeiras não estão podendo seguir seus rituais, as parteiras, tampouco atuar nas nossas comunidades atingidas por essas mineradoras. Já não há a gratidão que davam à Mãe Terra, porque essas mulheres tinham seus costumes de agradecer pelas plantas medicinais, e essas cerimônias não têm ocorrido.

A mineradora Vale, que fez tão mal justamente ao local onde estou neste instante, em acordos com o Estado, com a polícia, com fraudes, quis impor o projeto. Foram precisos anos de luta contra essa empresa. Agora, essa mineradora tem buscado adentrar em Ayacucho, na região central do país. Os companheiros aqui de Cajamarca estão em contato com os povos de lá para fortalecer a defesa das terras.

Seguimos em resistência, seguimos fortalecendo a capacitação das mulheres, seguimos falando de corpos e territórios, de como, enquanto mulheres, nos maltratam, e como estamos tão ligadas ao corpo da Mãe Terra. Há, assim, toda uma dinâmica agora de formação, de conversa, de diálogo, de saberes, para melhor poder entender, porque nos falta muito. Nunca estivemos na defesa de nada, era uma relação corpo-território muito bonita, e agora eles nos vêm contaminar. Então, estamos fazendo com que o jornalismo cidadão também possa ser possível, além dos comitês de vigilância, que as mulheres vigiem e sejam protagonistas da defesa dos territórios. Essas são algumas das ações que estamos fazendo para lutar pelas nossas terras e nossas vidas.