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Práticas de cuidado coletivo e ancestralidades como símbolo de resistência entre mulheres são abordadas em debate virtual do Instituto Pacs

Por Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)

Em mais uma atividade da campanha #MulheresTerritóriosdeLuta, o terceiro Ciclo de Debates trouxe o tema “”Cuidado Coletivo e Ancestralidades nas práticas de (re) existência”, abordando a forma como os megaprojetos impactam as ancestralidades das mulheres desde os territórios atingidos e trazendo a relação da natureza como meio de fortalecimento das práticas de cuidado, principalmente no contexto da pandemia. A Campanha e o Debate buscam trazer os caminhos de lutas marcadas e vividas em realidades que exigem (re)existências.

A live, mediada por Aline Lima, do Instituto Pacs, contou com a participação de Saney Souza, da Coletiva As Caboclas; Ana Laíde Barbosa, do Movimento Xingu Vivo Para Sempre; e Francisca Fernandéz, Coordinadora Feminista 8M e do Movimiento por el Água y los Territorios (MAT).

Um dos principais pontos abordados durante o encontro virtual foi a importância da valorização das ancestralidades como forma de resistência às intervenções dos megaprojetos. Ana Barbosa, que vive em Altamira, às margens do rio Xingu, no Pará, destacou como é fundamental reconhecer a herança deixada pelos nossos antepassados no contexto atual: “O que interessa para nós nesse momento é entender que o que temos hoje é o que nós herdamos dos nossos ancestrais e o que podemos usufruir. Nesse processo, a gente aprendeu a conviver com vários mundos, o ocidental, machista e patriarcal. Nosso universo gera vida e é capaz de fazer com que a gente tenha ética e valores morais para reconhecer de que tá na hora de parar com a nossa ganância, com o nosso individualismo”, afirma.

Nos territórios explorados pelo capitalismo e pelo patriarcado, os povos originários resistem em meio a tantas tentativas de apagamento de suas ancestralidades. Saney Souza falou durante o Ciclo sobre como a reflexão acerca das nossas origens representa a trajetória de cada um: “Quando a gente fala da ancestralidade a gente traz tudo aquilo que não está mais vivo fisicamente, mas pela nossa luta, na forma que a gente é e está na sociedade hoje, traz um pouco de todas as que não estão mais aqui. As nossas memórias são as nossas riquezas, o nosso patrimônio. Eu vim de uma continuidade, eu vim de várias histórias”.

Saney é filha de Hellen Andrews, símbolo de resistência no Bosque das Caboclas, no bairro de Campo Grande, Zona Oeste do Rio, e que teve a história retratada no documentário Hellen Andrews: Cantos de Resistência, lançado pelo Instituto Pacs em 20 de novembro de 2018. Seu pai, Badú, foi integrante da banda de música afrobrasileira “Os Tincoãs”, ativa principalmente nos anos de 1960 e 1970.

Assim como Saney, Francisca Fernandéz, a Pancha, também destacou a relevância da valorização dos antepassados: “O poder da ancestralidade é político e integra a construção de um novo mundo que desejamos habitar. Para ampliar essa perspectiva, precisamos de uma educação descolonizadora. Reconhecer nossas rotas, nossas migrações, territórios… ou seja, uma educação emancipadora”, explicou. Para ela, esse processo não se trata apenas da defesa dos territórios e dos bens comuns, mas sim da vida. “Aqui falamos de uma visão que reconhece a natureza, a alimentação, o cuidado das plantas e a sustentação da vida como campos políticos de cuidado”, completou.

A forma como o isolamento social em função da pandemia da Covid-19 tem amplificado as consequências do extrativismo e da mineração, atividades que se consolidam através de economias e territórios patriarcais foi outro ponto discutido durante o debate. Pancha, que é integrante do MAT, um movimento socioambiental criado em 2013 que luta pela desprivatização da água no Chile, explicou como “o extrativismo é um modelo colonial, destinado a explorar nossos territórios e voltadas à lucratividades nos mercados globais”.

No Chile, onde mais de 5.500 mortes e 271.000 contagiados foram registrados, segundo o último balanço do governo sobre a doença, há, neste momento, uma série de projetos esperando por aprovação: “o extrativismo não está de quarentena, nessa crise, a mineração é colocada como ‘saída’ para os problemas”, explicou Pancha.

Nesses territórios afetados pelos megaprojetos, a exploração das mulheres e a inviabilização de seus trabalhos é constante. A pauta também foi levantada durante a fala de Pancha: “O neoliberalismo, assim como o extrativismo, são contrários à lógica de cuidado. Historicamente e seguindo esse modelo, há uma política de descarte de territórios e corpos. Além da degradação ambiental, destruição de territórios, glaciais e etc”, apontou. Ela ressaltou que essa forma de exploração da natureza no mundo Ocidental se mostra similar à exploração e opressão a mulheres, meninas e dissidências sexuais e de gênero na sociedade.

Nesse contexto, Ana Barbosa contou como ela e as companheiras da região onde vive passaram a lidar com essas interferências: “Neste processo, a gente aprendeu a conviver com vários mundos, o ocidental, machista e patriarcal”. Mesmo com todas as violações, os valores dos povos originários representam a resistência em meio à toda essa conjuntura. “É esse outro mundo, o moderno, que é um território estéril. Sem valor, sem ética, que só vem para nos arrancar a nossa identidade e fazer com que a gente sucumba. E aí que vem a grande vitória das nossas comunidades, porque nós somos como uma fonte de água, quando eles matam um, nasce outro”, pontuou Ana.

Durante a Campanha #MulheresTerritóriosdeLuta, diversos materiais divulgados pelo Instituto Pacs retratam como as mulheres, principalmente negras e pobres, têm sido as mais afetadas durante o período de isolamento social. Ao mesmo tempo, são elas que têm ocupado espaço de protagonismo com ações em prol de suas comunidades. Para Saney, a luta dessas companheiras neste momento representa a resistência contra essa sociedade patriarcal: “A gente está em um mundo que é completamente violento com as mulheres, sobretudo com as negras. A gente tem uma sociedade em que o tempo todo a gente tem estigmas e inúmeros preconceitos. E aí a gente tem visto mulheres nos seus territórios propondo outras coisas, uma outra sociedade, um outro mundo, porque pra gente, desse jeito, não dá mais. Isso vai tomando proporções maiores quando a gente se junta”, ressaltou.

Assista o vídeo na íntegra: