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Curso Mulheres e Economia é realizado pelo 17º ano pelo Instituto Pacs

No dia 6 de outubro, foi finalizada mais uma edição do Curso Mulheres e Economia, promovido há 17 anos pelo Instituto Pacs. A iniciativa, realizada pela segunda vez de modo inteiramente virtual devido à pandemia, foi espaço de troca, acolhimento e confluência de lutas, ao engajar mais de 40 mulheres, de mais de cinco diferentes estados brasileiros, na discussão sobre temas como: economia feminista e antirracista, crítica ao modelo de desenvolvimento e megaprojetos, dívida pública e precarização da vida, saúde da mulher, agroecologia e agricultura urbana e autogestão nos territórios.

Foram sete encontros semanais, realizados às quartas, das 14h às 17h, entre 25 de agosto e 06 de outubro. A partir de uma metodologia político-afetiva, as aulas incluíram momentos de partilha, escuta, poesia e dinâmicas corporais, que tiveram o intuito de reconhecimento do corpo da mulher como seu primeiro território de luta e pulsão de vida.

Já no primeiro módulo, Sandra Quintela, economista e atual presidenta do Instituto Pacs, abordou a necessidade de se analisar o modo de produção capitalista em perspectiva histórica, a fim de reafirmar que há alternativas possíveis. “Esta história começa há aproximadamente uns 500 anos. É por isso que as feministas comunitárias falam que o feminismo começa em Abya Yala, com a luta anticolonial. Olhar esses processos de resistência pela ótica da história nos ajuda a descolonizar a visão de mundo que nos foi imposta”, pontuou, reafirmando o que é parte dos objetivos do curso.

Ao longo do processo, foi debatido como a divisão sexual do trabalho e o racismo estruturam a economia capitalista contemporânea. Dentro de um contexto neoliberal, destacou-se como a dívida pública, um mecanismo de transferência dos recursos da população às camadas privilegiadas, vulnerabiliza a vida das mulheres, e mais ainda das mulheres racializadas, ao sugar recursos que deveriam ser alocados em âmbitos básicos como saúde, educação, saneamento, moradia e transporte. A partir das lentes da economia feminista, assim, a mulher desponta como primeira impactada pelo sucateamento e privatização dos serviços públicos, uma vez que são elas as principais responsáveis pelo trabalho reprodutivo, em geral não remunerado, e muitas exercem, de modo simultâneo, o papel de chefes de família.

Também esteve no centro dos debates a forma como os megaprojetos de desenvolvimento avançam sobre o corpo-território das mulheres e são fomentados por instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Para Ângela Santos, educadora do curso, integrante da Associação de Favelas de São José dos Campos e que atua também contra o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em seu território, essas instituições financiam “a miséria e o racismo ambiental” e incidem sobre as políticas públicas nacionais, criando mecanismos para extrair riquezas e perpetuar a lógica do modo de produção capitalista. “No fundo, há uma incidência direta e diferenciada desses empreendimentos sobre os corpos das mulheres”, explicou.

Ana Luisa Queiroz, educadora popular do Instituto Pacs, trouxe no módulo 3 do curso o debate sobre “corpos-território”, costurando um entendimento imbricado das violações que se reverberam, sem fronteiras, desde o solo até o corpo das mulheres. Durante a aula, também foi abordada a importância de se visibilizar os megaprojetos – como os ligados à mineração, siderurgia, hidroeletricidade, à especulação imobiliária e à militarização dos territórios – em suas implicações à vida das mulheres, derivadas da destruição ecológica e alteração dos modos de vida das comunidades, bem como das dinâmicas de violência (financeira, sexual, doméstica e política) que promovem.

Outra pauta também presente ao longo do curso foram os impactos percebidos no nível da saúde dessas mulheres, ligados muitas vezes à sobrecarga de trabalho produtivo implicada por esses megaempreendimentos. A contaminação e escassez de água, o maior acúmulo de poeira no espaço doméstico, e, sobretudo, a disseminação de doenças que acometem familiares exige, delas, maiores cuidados. Seja pensando em contextos de violações, seja no cotidiano das lutas e militância, o curso reforçou a importância de se promover a saúde das mulheres desde uma perspectiva integral e, portanto, atenta às dimensões mental, espiritual e de seus direitos sexuais e reprodutivos.

Foram trabalhados temas como a legalização e descriminalização do aborto e mortalidade materna, que refletem uma estrutura patriarcal atravessada, no Brasil, por questões de raça e classe e por um fundamentalismo religioso crescente. A psicóloga, ativista e especialista em Saúde Coletiva, Luciene Lacerda, pontuou que 71% das mortes por aborto no país, em 2017, foram de mulheres negras – grupo esse também mais vulnerável a morte por doenças físicas e parasitárias, devido à falta de acesso a saneamento básico. “Quando pensamos na dengue, chikungunya ou zica e os cuidados com o meio ambiente, os casos de morbidade e/ou mortalidade se agravam, inclusive de abortos espontâneos”, explicou. Tal quadro, inclusive, explicaria o impacto perverso da Covid-19 sobre as mulheres negras, periféricas e indígenas.

Frente a esses contextos de morte, o curso também trouxe a dimensão política e fundamental que ganham as práticas de autocuidado na sustentação da vida e luta das mulheres; no esperançar que move suas ações de emancipação. Além da partilha aconchegante de práticas individuais, as aulas lançaram luz sobre processos de cuidado comum presentes, por exemplo, nas experiências de agroecologia e agricultura urbana movidas por (e entre) mulheres como Ana Santos, atuante no Centro de Educação Multicultural (CEM), na Serra da Misericórdia/RJ, e Janja Silva, integrante da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) de Pernambuco, ambas educadoras no curso Mulheres e Economia 2021.

Para Ana Santos, “falar de agricultura urbana e agroecologia é falar de mulheres, quintais, cozinhas e afetos” e “é esse autocuidado e fortalecimento das relações que faz com que um território invisível, sem reconhecimento do Estado, como as favelas, exista”. Nesse sentido, ela defendeu que a agricultura urbana precisa estar além do plantar, já que também diz respeito “às relações que cultivamos no território”. Na mesma direção, Janja ressaltou que “a terra cura” e contou sobre o processo de construção da horta comunitária em sua ocupação, Aliança com Cristo, em Recife: “Mexer na terra e compor rodas de diálogos fez bem a todas as mulheres envolvidas, sobretudo psicologicamente”. Fortalecidas, elas construíram uma cozinha solidária e ressignificaram os espaços comuns da ocupação, inexistentes antes da pandemia. São neles que agora as crianças podem brincar e a luta prosseguir.

Ambas as experiências retratam processos de autogestão nos territórios, em que mulheres apontam para novos modos de existir, produzir e comunicar suas lutas. A elas se somaram no curso as narrativas de Josinete Pinto, do Centro de Ação Comunitária (CEDAC), sobre os quintais produtivos em Volta Redonda/RJ, e de Flora Rodrigues, poetisa marginal e integrante da Rede Tumulto, coletivo de comunicação e arte idealizado por jovens periféricos e artistas de Recife. Enquanto Josinete tratou da Economia Solidária e dos quintais produtivos como instrumento de soberania alimentar, Flora abordou as estratégias de “comunicação off-line e popular” que ajudou a construir, a fim de disseminar, nas periferias, os protocolos sanitários de enfrentamento à Covid-19. A comunicação, para Flora, “é um saber ancestral. Tem o poder e o potencial de salvar vidas, romper as falas silenciadas. Gera informação, inquietação e é capaz de ativar dinâmicas revolucionárias nos territórios”.

O curso Mulheres e Economia é construído e segue vivo pelas mais de 1.200 mulheres que já passaram por ele, sejam como educadoras, equipe ou alunas. Seguiremos apostando na educação e comunicação popular e na economia feminista, juntas, enquanto semeio de laços, lutas e outros amanhãs possíveis.

A economia é política e deve estar nas mãos das mulheres!