IV Julho Negro levanta debates sobre racismo, militarização e genocídio em vários locais do Rio
Entre 24 e 26, o Rio teve a quarta edição do Julho Negro. Reunindo uma vez por ano representantes de movimentos de favelas, comunicadores populares, coletivos negros e organizações da sociedade civil, o evento tem como principal objetivo chamar a atenção para o genocídio da população negra e para as consequências da militarização do cotidiano.
Desde a primeira edição, em 2016, quando os movimentos de familiares de vítimas e de favelas encontraram o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português), no Rio, o Julho Negro tem buscado abordar a militarização como um fenômeno global que se distribui de forma profundamente desigual entre os grupos raciais nos territórios.
“O Julho Negro nasce dessa percepção de que, se a militarização é internacional, a resistência também tem que ser. E agora, na edição de 2019, a gente continua com a mesma temática, colocando o apartheid e o genocídio como pauta, mas com uma novidade: pensar o impacto para os diversos públicos, os diversos corpos, das favelas e periferias. Tivemos uma mesa, por exemplo, sobre como a comunidade LGBTQI+ destes locais sofre isso tudo”, contou uma das organizadoras, a comunicadora popular Gizele Martins.
A quarta edição teve início no dia 24 com um debate sobre racismo religioso, no terreiro Ilê Omulu e Oxum, em São João de Meriti, Baixada Fluminense.
No dia seguinte, no Museu da Maré aconteceram debates sobre as experiências das mulheres frente ao racismo e à militarização; da população LGBTQI+; e das famílias de jovens encarcerados pela política de “guerra às drogas”.
“Há um tempo ouço falar na falência do Estado. Mas, para nós que moramos nas favelas, essa falência sempre existiu. Meu filho teve o tórax perfurado e foi para o cárcere. Ali eu entendi que eu tinha que gritar não só por ele, mas pelos jovens. Antes, eu achava que era a culpada. Eu achava que o meu filho era culpado. Mas foi aí que outra mulher me ensinou que não é assim, que nós temos direitos”, lembrou Eliene Maria, do Fórum Social de Manguinhos, durante o debate a respeito das conexões entre a chamada “guerra às drogas” e o encarceramento em massa de jovens negros.
No dia 25 foi também foi montada a exposição “Militarização da Vida, Mulheres Corpos e Territórios”, com imagens e textos sobre experiências femininas de resistência dentro e fora do Brasil.
Na sexta-feira (26), foi instaurado um tribunal popular no Largo da Carioca a fim de responsabilizar simbolicamente Estados latino-americanos por violações de direitos. O tribunal contou com participantes de outros estados brasileiros e de países como Venezuela e México. A mexicana Soledad Vázquez, do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos, falou dos impactos diretos da militarização – assassinatos, sequestros e desaparecimentos praticados pelo crime organizado e por grupos paramilitares – para a imposição do que chamou de “projetos de morte”, principalmente em terras indígenas.
“Na cidade de Guajaca (Oxaca), já há 322 concessões para extração de minério outorgadas a empresas do Canadá e dos EUA, que controlam 80% do território indígena. Essa ocupação está garantida pelo governo por 50 anos, sem nenhuma consulta às comunidades. Pelo contrário: com ameaças, agressões e mortes”, denunciou a militante.
Além da programação principal, a edição 2019 do Julho Negro teve atividades descentralizadas. Entre elas um debate no Ilé Àṣẹ Ọmọdẹ Títàn, em Nova Iguaçu, Região Metropolitana do Rio, sobre “Racismo Religioso e o Impacto da Militarização na Vida da População Negra e Periférica”, fechando a semana de encontros e trocas de experiências.