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Por uma sociedade desmilitarizada: de Messias à ditador

Por José Drumond Saraiva, membro da Assembleia de Sócios(as) do Instituto Pacs

Às vezes me pergunto como alguns puderam pensar que a eleição de Jair Messias Bolsonaro para presidente da República Federativa do Brasil, em 2018, não resultaria em um governo golpista, antidemocrático, militarista e genocida.Me pergunto também como alguns puderam pensar que teríamos um governo com algum tipo de compromisso com a maioria da população brasileira e com as riquezas de nosso país e sua justa distribuição.

Foto: Agência Brasil

Lembro-me bem que, logo no início do novo governo, muitos chegaram a dizer que os militares colocados em cargos estratégicos dariam o tom mínimo da necessária competência que qualquer governo deve ter. Seriam assim pontos de equilíbrio para um ministério que, tão logo definido, se mostrava bizarro, inculto, imbecilizado e vergonhoso para a nação brasileira. Quanta ilusão! Ou melhor dizendo, quanta necessidade de justificar um resultado eleitoral que levou ao poder um ser abjeto, defensor da tortura e da ditadura militar!

Como poderia um comandante eleito, utilizando-se de todo tipo de ilegalidades, não resultar no que estamos vendo agora. Será que poderíamos esperar algo diferente de alguém que acusava seu principal adversário de ser comunista e de distribuir mamadeiras de piroca nas escolas de São Paulo? Afinal, Bolsonaro candidato deixou bem claro tudo o que pretendia fazer: armar a população; implantar uma política econômica ultraliberal; privatizar tudo, inclusive o ensino, salvo no caso das escolas militares; acabar com a delimitação de terras indígenas; eliminar as comunidades quilombolas; combater qualquer tipo de minoria, com a cabeça voltada principalmente para toda a comunidade homossexual; fazer enfim um governo que destruísse todo o pouco que fora conquistado com muito sacrifício pela população brasileira, em especial pela imensa maioria de miseráveis, pobres, excluídos em geral.

Tudo isso para construir o quê? Um Brasil novo, centrado no respeito aos costumes segundo o seu pensamento, alinhado com os Estados Unidos e com Israel — seus dois principais escudos para o aumento de seu potencial bélico e repressivo — um país sem sindicatos, sem qualquer tipo de proteção aos trabalhadores, sem respeito ao meio ambiente e aos povos originários. Um país com suas terras abertas à exploração de todo e qualquer tipo de mineral, com seu petróleo entregue a exploradores estrangeiros. Destruindo a Petrobrás, e é claro, vendendo empresas estratégicas como a Eletrobrás e o Banco do Brasil, por exemplo. Criando um novo sistema de saúde, destruindo o SUS, implantando uma reforma da previdência onde os trabalhadores morram antes mesmo de terem direito a qualquer benefício. Construindo uma nova sociedade onde cada brasileiro possa possuir uma arma, incentivando as milícias — aliás, sua origem — enfim, o que seria em minha opinião, construindo o caos. E, não menos importante, deixando claro que com um cabo e dois soldados poderia fechar o Supremo Tribunal Federal e, sem muito esforço, fechar o próprio Congresso Nacional. Afinal, há mais de 30 anos Bolsonaro é o principal arauto do golpe militar, da ditadura sem eira nem beira, do regime de exclusão. Claro está que uma vez eleito pelo povo, sinta-se à vontade e com vontade de autoproclamar-se DITADOR. Esse sempre foi o seu maior sonho! Às favas com qualquer outro tipo de acomodação!

E o que vemos hoje? O que esperar para um futuro próximo?

Hoje já estamos diante de um Estado totalmente militarizado. Não digo isso pelo fato de mais de 2000 militares da ativa e reformados ocuparem todos os postos estratégicos de governo, o que já é uma aberração. Digo porque as milícias, que dão suporte para o presidente e seus seguidores, estão armadas até os dentes. Digo ainda porque as polícias militares da maioria dos estados brasileiros não mais obedecem a seus governantes, e sim, a Bolsonaro. E aí vou incluir os bombeiros, corporação que só no Brasil virou um ente militar. Por que um bombeiro pode andar armado? Só mesmo em nosso país que criou tal excrecência nos anos da ditadura militar. No que diz respeito às forças armadas — Exército, Marinha e Aeronáutica — tudo parece indicar que, se necessário, estariam prontas para uma ruptura institucional. Basta ficar atento às declarações de seus comandantes maiores que dizem respeitar a Constituição Federal, ao mesmo tempo que a interpretam segundo sua conveniência, qual seja a da manutenção de um Estado comandado e ocupado por militares.

Para mim, diante desse quadro de caos, tudo é possível! No momento, com esse Estado militarizado e com a pouca reação popular a todas as medidas que o governo vem tomando, um golpe militar com fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, concentrando poderes ditatoriais nas mãos de Bolsonaro, não é medida necessária para a condução da destruição do país, mas pode acontecer e é o que pedem os seguidores fiéis ao seu líder. Aí começam as contas que, para mim, não têm muito sentido. Quem é maioria? Os seguidores de Bolsonaro não seriam mais que 30% dos eleitores ou da população brasileira. A maioria seria a dos que pensam de forma diferente. Eu não estou tão seguro disso. Lamentavelmente, a cada dia que passa, acho que a maioria da população brasileira é misógina, racista e violenta. O horror aos excluídos, aos pretos, aos índios e aos pobres não me parece uma particularidade só de nossas elites e de nossas classes médias. Acho que essas atitudes de exclusão permeiam cada dia mais a maior parte de nossa população, pelo menos de nossa população urbana, justamente a que mais sofre com todo esse processo de exclusão. E isso é muito, muito perigoso num momento como o que estamos vivendo. Aliás, muita gente se identifica com qualquer gesto ou fala do inominável. É como se, para muitos, este fosse, de fato, o seu governo!

Mesmo desempregados, comendo o pão que o diabo amassou, super explorados, vivendo em condições miseráveis, admiram e gostam dos gestos e atitudes de seu capitão. E acho que só agora começamos a nos darmos conta desse fato.

E aí surgem as propostas para mudança desse quadro. Manifestos aqui, manifestos ali, imprensa que ajudou no processo de eleição do Bolsonaro dizendo-se ou fazendo-se de arrependida na maior cara de pau, todos com muito medo. Todo mundo que pensa diferente tem mais é que ter medo mesmo! Já começo a ver articulações de todos os tipos, todas na expectativa de destituição de Bolsonaro do poder, mas com propósitos bem distintos. Uns querendo o “Fora Presidente”, mas a manutenção de toda a sua política econômica e até mesmo a redenção do ex-ministro da justiça, supostamente indispensável para a futura continuidade dos ideais anticorrupção, discurso que catapultou a eleição do capitão. Outros preparando seus candidatos para uma eleição em 2022, que nem mesmo sabem se acontecerá. Os de cima do muro apostando que a “normalidade democrática” prevalecerá, aceitando os arroubos de Bolsonaro como coisas de menor importância. Por fim, os que efetivamente querem a derrubada do governo Bolsonaro — Mourão, mas com a construção de um novo projeto de Brasil que contemple as reais necessidades da maioria da população, com uma reformulação completa da educação, de forma que possamos construir uma nova sociedade solidária, não militarizada, fraterna e menos, muito menos desigual. Acho muito difícil e só se conseguirá isto com muita luta em todas as frentes, principalmente nas ruas.

Eu estou nessa!

*Este artigo é mais uma edição do Massa Crítica, o periódico de análises do Instituto Pacs, e está disponível para download na Biblioteca Berta Cáceres