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Teias de resistência das mulheres

Com o objetivo de abordar o papel das mulheres nas resistências aos megaprojetos, a força e o poder de criação em meio aos conflitos e os caminhos para a defesa da vida e do corpo-território, o 10° Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta trouxe o tema “Caminhos de resistência para defesa de corpos-territórios”. O encontro virtual contou com a participação de Katherin Cruz, da Red Nacional de Defensoras de Direitos Humanos de Honduras; Marcelle Felippe, do Verdejar Socioambiental  e do Gt Mulheres da Articulação de Agroecologia do RJ; e Vera Domingos, que faz parte do Fórum Suape de Pernambuco. A iniciativa faz parte da campanha que traz o caminho das lutas marcadas e vividas em realidades que exigem (re)existências.

Foto: Instituto Pacs

Um dos pontos abordados no Ciclo foi a política de repressão contra os ativistas sociais que seguem na luta pelos direitos nos territórios. Katherin Cruz relembrou o desaparecimento forçado de líderes garífunas em julho deste ano, que segue sem explicações por parte do Estado, apesar de já terem sido apontadas supostas investigações. “O desaparecimento forçado de líderes de lutas é um alerta extremamente sério para os direitos humanos”, pontuou ela.

De acordo com Katherin, segundo registro da Red de Defensoras, a maioria das pessoas atacadas no mês de agosto são defensoras da terra, do território e dos patrimônios naturais em Honduras: “​Mais da metade dos ataques foram executados por órgãos e forças do Estado, especialmente policiais militares de ordem pública”, explicou. Em Honduras, as mulheres defensoras participam ativamente em diversos espaços de defesa dos direitos humanos e desempenham um papel protagonista na luta pelo direito de decidir sobre os seus corpos e no enfrentamento da violência, além de também atuarem na defesa da terra, do território, dos bens naturais, dos direitos dos presos políticos, da saúde e da educação.

Como destacou Vera Domingos, em Pernambuco, especificamente em Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, região impactada pelo Complexo Industrial Suape, o cenário de violações de direitos e opressões não tem sido diferente de Honduras: “Nós, mulheres, estamos aqui no papel de frente mesmo, e podemos falar das nossas marisqueiras, catadoras de caranguejos, catadoras de frutas, as mulheres que estão de frente na agricultura, de frente no processo de resistência”. Segundo ela, não tem sido fácil para as mulheres vivenciarem esses impactos, que vêm desde os primórdios com a dominação dos seus corpos junto aos processos de colonização e controle de terras.

Outro ponto levantado por Vera foi a perda de identidade e a saúde afetada nesses processos de desenvolvimento de megaprojetos: “Quando uma mulher é tirada do seu território e ela é lançada em um outro local que não é dela, do início lá que ela tinha todos os seus modos de vida, onde ela tinha todo o seu traquejo do dia a dia. Então, essa mulher também vem a sofrer várias violências, e uma das violências que a gente percebe nas mulheres que estão ao nosso redor, em frente a esses processos de resistência, é a questão mental, questão física”, explicou Vera. Para ela, nos territórios, as mulheres são como árvores: “Você não arranca uma árvore pela raiz e ela sobrevive em outra localidade. Ela vai definhando, não consegue viver da forma que vivia antes, com os seus modos de vida, com seus meios de sobrevivência”.

Nesses contextos, o autocuidado tem sido fundamental para as mulheres que seguem em resistência. Marcelle Felippe, que vive na Serra da Misericórdia, uma ilha de natureza em meio ao concreto dentro de uma favela do Rio de Janeiro, conta que estimular o autocuidado nas mulheres do território, onde atuam duas mineradoras, tem sido uma das principais missões durante esse período de pandemia: “Os megaprojetos impactam diretamente na vida das mulheres, a partir de suas águas e todo o seu ambiente. Então, impacta não só seus corpos-territórios, como também suas casas. Aqui na Serra da Misericórdia, além do Verdejar, existem muitos projetos e a maioria deles têm as mulheres como grandes animadoras, realizadoras, insistentes nesse processo de comunicar, de agregar, de trazer para discussão a melhoria do seu lugar”, contou.

Para Marcelle, a alimentação é um dos principais pontos de integração na favela e, por meio de uma horta comunitária e  da agrofloresta, o projeto Verdejar, que faz parte da Articulação Estadual de Agroecologia, tem atuado há 23 anos no território da Serra da Misericórdia: “Entendemos que o que nos conecta, independentemente de qualquer coisa, é a alimentação, é a comida. Ao invés de fazer muros, fazemos uma horta, um plantio, uma floresta. A recuperação daquela área verde é um espaço de resistência e sensibilização para acesso a esse direito de ter uma área de lazer, direito de uma alimentação saudável, e também o direito ao meio ambiente, ao saneamento básico, nesses locais onde todos os direitos são violados”.

Na conjuntura de espaços que vivenciam as violações em suas rotinas, resistir envolve inúmeros desafios, como afirmou Katherin: “Me perguntam de onde tiramos a força e o poder criativo em meio ao conflito e, para mim, vem de conhecer e reconhecer a força das respostas coletivas e comunitárias. De saber que não estamos sozinhas e ver isso é reconhecer a força coletiva e da comunidade. E, outra coisa, é saber que temos companheiras que estão perto e que todas adoramos outras companheiras sábias e solidárias que nos cercam”.

Essa luta coletiva das mulheres, frente às violações de direitos nos territórios, vem de uma força que tem origem na própria natureza feminina, como apontou Vera: “A gente percebe que a mulher é tida como algo muito frágil, impossibilitada de fazer várias coisas. Mas, não, nós mulheres, como disse a Katherin, somos lutadoras, que estamos à frente de determinadas situações, porque estamos mesmo ali para fazer a diferença diante de tudo que a gente tem vivido. Eu acredito que muitas mulheres como eu estão à frente de tudo isso porque, de fato, têm mesmo essa força, essa vontade de vencer. Porque se não tivessem, muitos já teriam sucumbido, já teriam desistido”.

Assim como ela, Marcelle também destacou a força e união das mulheres no atual período: “As mulheres são as lideranças que cativam, sensibilizam e lutam pelos direitos do coletivo. Por isso, o autocuidado e o autoconhecimento vêm se mostrando cada vez mais, conforme a gente vem vendo mais a mulherada aí, tomando as frentes e tendo autonomia das suas escolhas e das suas ações. Autocuidado não depende só de nós. Temos muitas demandas além de nós. O autocuidado precisa ser integral. Precisamos das outras companheiras. Somos uma teia”.

O próximo Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta acontecerá no dia 14/10, quarta-feira, às 17h no canal no Youtube do Instituto Pacs.