Intercâmbio entre coletivos e movimentos sociais marcam retorno presencial na oitava edição do Encontro Autogestão
Autogestão consiste na organização e na gestão de espaços de produção e convívio por todos os integrantes envolvidos no processo, de forma horizontal e sem hierarquias. É esta a pauta do Encontro Autogestão, formação anual do Instituto Pacs que acontece desde 2015. Por conta da pandemia, as edições de 2020 e 2021 foram realizadas de forma remota e com ações territoriais descentralizadas. A oitava edição, que ocorreu no último fim de semana, foi intitulada “Encontro Autogestão: horizontes de autonomia e bem viver nos territórios” e contou com coletivos e movimentos sociais de seis estados: Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Pará, Maranhão, Minas Gerais e São Paulo.
A metodologia da atividade traz uma proposta de um processo de imersão aos participantes, que ficaram juntos durante quatro dias em debates, rodas de conversa e oficinas de expressão corporal e cerâmica. Ao longo da sua existência, a formação já recebeu mais de 50 movimentos sociais de todo o Brasil, que compartilharam histórias de aquilombamento, aldeiamento, comunitarismo, assentamento, coletivização, cooperativização, feminismos comunitários e territorialidade como aposta de transformação histórica e social.
Horizontes de autonomia e bem viver nos territórios
A formação começou com uma análise de conjuntura realizada a partir de apontamentos e reflexões dos próprios participantes. Para Mestre Joelson, liderança do Assentamento Terra Vista e da Teia dos Povos da Bahia, é preciso mudar a forma de fazer política para enfrentar os desafios que estão por vir. “Precisamos discutir e aprofundar a defesa e cuidado com nossos territórios. Temos de entender esse movimento, construir unidade e beber na fonte dos povos originários que ensinam sobre a força da ancestralidade, da sobrevivência e da espiritualidade”, afirmou.
A importância da troca de experiências também foi abordada por Charlene Cristiane, das Brigadas Populares-MG, que traz como bandeira de luta o direito à moradia, terra e território. “A potência desse encontro deve ser multiplicada em muitos espaços. As articulações são necessárias para a sobrevivência de corpos e pelos direitos da geração futura de existir, viver e sobreviver”, reflete. Este também é o ponto de vista de Ana Santos, do Centro de Integração na Serra da Misericórdia (CEM-RJ). “Encontramos no ‘nós por nós’, uma oportunidade de mostrar que o povo tem a força, só precisa descobrir. Não importa em que espaço você esteja, o que importa é que estamos aqui lutando pela vida”, comentou.
A autogestão é apontada como ferramenta essencial e que une todas as lutas dos diferentes coletivos e movimentos sociais. Para Kaw Gamela, liderança indígena da Teia dos Povos do Maranhão, a educação, a informação e as políticas públicas são essenciais unidas às práticas autogestionárias. “O reconhecimento do direito ao território, de se manter nele e a luta contra o monopólio da saúde, da educação são muito importantes. Hoje trocamos nossas ervas e a medicina tradicional dos povos pela farmácia. Temos de trabalhar isso. O papel da educação para nós é formar sujeitos que sejam guardiões dos conhecimentos ancestrais”, afirmou.
Já Yane Mendes, da Rede Tumulto, abordou a relevância da comunicação popular para a juventude favelada e periférica. O grupo, coordenado por três mulheres negras, atua com jovens de diferentes territórios de Recife, em Pernambuco. “Nós funcionamos como rede porque todas as ações são feitas em parceria com outros coletivos, na tentativa de somar forças. Uma de nossas prioridades é trabalhar com autoestima nas favelas e com a luta pela empregabilidade dos jovens”, aponta. Algumas outras temáticas trabalhadas pela Rede são a questão das mudanças climáticas e a importância da tecnologia.
O ponto de vista da juventude também foi trazido por Flora Rodrigues, que compõe a Rede Tumulto e a Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas. “As negras jovens têm a capacidade de gestar projetos, promover debates, pensar metodologias. É um grande laboratório para fomentar caminhos e incentivar a presença dessas jovens em outras lutas”, declara.
Foi abordado ainda o conceito coletivo de “afroecologia”, trazido por Luíza Cavalcanti, do Sítio Ágatha, que atua a partir de práticas de autogestão, educação popular e agroecologia. O termo refere-se a agroecologia militante a partir de uma perspectiva afrocentrada. “Quando nos olhamos como povo preto e indígena, é importante transcender. A mesma agroecologia que bebe de nós não consegue traduzir nossa ancestralidade e espiritualidade, nossa cultura de viver, vestir, comer e se organiza. Não consegue falar do sagrado das matas. É isso que a gente faz”, conta.
Para Aline Lima, coordenadora geral do Instituto Pacs, o objetivo desse encontro é pensar em agendas comuns entre movimentos sociais populares e grupos auto organizados, especialmente na conjuntura de pós-eleições. “É muito importante que esses espaços sejam pensados. Não há a menor dúvida que são nesses espaços que os movimentos criam liga e pensam processos coletivos de luta na busca por justiça social e retomada de direitos retirados no governo atual. Saímos com agendas muito importantes para o próximo ano, que apontam que a luta é coletiva. É impossível pensar um outro modelo de desenvolvimento se a gente não dá voz aos movimentos sociais populares, que é quem tem feito a defesa territorial”, afirma.
Plano Popular Alternativo ao Desenvolvimento
O curso é ainda um espaço de construção coletiva do Plano Popular Alternativo ao Desenvolvimento (PPAD), um plano popular que traz as experiências territoriais de coletivos, grupos e movimentos sociais de todas as regiões do Brasil em uma plataforma virtual colaborativa. Este é um instrumento que visa potencializar, subsidiar, visibilizar e articular alternativas populares e territoriais já existentes. Tais alternativas pautam, de baixo para cima, práticas e visões de mundo desde os seus territórios, suas formas de vida, relações sociais, econômicas, políticas e culturais.
No PPAD, é possível encontrar práticas autogestionárias em agroecologia, agricultura urbana, feminismos, lutas antirracistas, educação e comunicação popular, luta pela terra e pelas águas, economia solidária, arte, cultura e muito mais. A plataforma traz vídeos, fotos, podcasts, reportagens, notícias, artigos, publicações, uma linha do tempo que resgata a memória do processo e um mapa com todos os movimentos, grupos e coletivos que fazem parte.
Essa atividade contou com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, de Pão para o Mundo, de DKA, do projeto Protagonismo da Sociedade Civil nas Políticas Macroeconômicas, apoiado pela União Europeia.