Instituto Pacs lança dossiê que revela maior impacto da pandemia de Covid-19 na vida das mulheres na América Latina
Dados revelam aumento nos casos de feminicídio e maior vulnerabilização de mulheres negras e indígenas no período
Três anos após o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, aparentamos viver sob uma nova normalidade, em função da difusão da vacinação em escala global e da imunização de massa. No entanto, grande parte da população ainda sente as consequências de um processo de fragilização – não só da saúde, mas também de aspectos socioeconômicos – resultante do vírus e sobretudo da atuação do governo.
Diante de tanta irresponsabilidade, o resultado da pandemia foi desastroso para a população e especialmente para determinados grupos que sofreram mais de perto os impactos da pandemia. É inegável que, dentre a parcela da sociedade mais diferencialmente afetada, estavam as mulheres e, especificamente, as mulheres negras e indígenas, que assumiram o ônus e o fardo mais pesado da tarefa de cuidar dos/as enfermos/as, concentrando ainda mais funções àquelas já tradicionalmente exercidas por elas.
A partir do entendimento de que a construção de memórias feministas sobre o período da pandemia é um ato de luta por justiça, o Instituto Políticas Alternativas Para o Cone Sul (PACS) lança o Dossiê “Ecos da pandemia na vida de mulheres latino-americanas”, com dados sobre o impacto da pandemia na vida das mulheres latino-americanas em cinco países – Brasil, Chile, Cuba, México e Peru – ressaltando os impactos diferenciados em suas vidas.
A publicação foi construída com o intuito de apresentar um panorama latino-americano, num esforço de sistematização de dados e informações a partir de referências como publicações e relatórios elaborados por organizações sociais, institutos de pesquisa, coletivos feministas e movimentos sociais em cada contexto específico, abordando as peculiaridades da condição de vida das mulheres.
O levantamento destaca, por exemplo, que o Brasil foi líder mundial no ranking de morte materna pela doença, onde as mulheres negras foram maioria (54%) das gestantes e puérperas que morreram de Covid-19. Também foram as mais contaminadas e as que mais desenvolveram complicações.
A violência contra a mulher e os feminicídios também cresceram. No Chile, durante o primeiro semestre de 2020, as chamadas sobre violência intrafamiliar contra a mulher aumentaram 107,7% sobre a violência física e 53,2% sobre a violência psicológica. No México, o número de chamadas de emergência por violência contra a mulher aumentou 31,6% no primeiro ano da pandemia, em comparação com o ano anterior.
Recentemente, vimos a invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher ser tema da prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Na pandemia, essa realidade se agravou com a metade das mulheres do país passando a cuidar de alguém de forma não remunerada – o número chega a 62% no caso de mulheres que vivem em zonas rurais.
Nesse sentido, também vimos 63% dos lares brasileiros chefiados por mulheres enfrentarem a insegurança alimentar. Número maior do que no Chile (22%) e no Peru, onde cerca de 50% dos domicílios se encontravam em vulnerabilidade econômica, com risco para a segurança alimentar, dos quais 3,5% encontravam-se em situação de insegurança alimentar severa.
O Dossiê reúne informações relacionadas à saúde, insegurança alimentar, violência e impactos à população LGBTQIA+. Destaca-se que as mulheres também construíram mobilização e resistência a essas violências, permanecendo nas ruas durante toda a pandemia na defesa de suas vidas, corpos e territórios. Especialmente as mulheres negras foram protagonistas nas lutas, participação em atos, ações de solidariedade, criação de redes, cozinhas solidárias, confecção de máscaras, complementação de renda e disseminação de informações.
A pesquisa foi feita por Vitória Gonzalez, Mestra em Sociologia pelo IESP-UERJ e pesquisadora do NETSAL, e a publicação conta com ilustrações de Raquel Batista e projeto gráfico de Karoline Kina. Com realização do Instituto PACS, do NETSAL e da campanha #MulheresTerritóriosdeLuta, o projeto teve apoio de diferentes organizações – Fondo de Mujeres del Sur, MISEREOR, Brot für die Welt e Dreikönigsaktion.
Principais desafios destacados pela pesquisa:
– A sobrecarga do trabalho reprodutivo sobre as mulheres, especialmente referente aos trabalhos domésticos e de cuidado com pessoas enfermas (dentre elas crianças e idosos), tarefas estas que se multiplicaram ao longo da pandemia;
– O aumento do desemprego, da informalidade e da precarização do trabalho produtivo exercido por mulheres, com maior disparidade de participação entre homens e mulheres no mercado de trabalho, tanto na formalidade quanto na informalidade;
– O alargamento da insegurança alimentar e da fome, especialmente nos lares chefiados por mulheres;
– A maior dependência de auxílios emergenciais e de medidas assistencialistas governamentais, com impactos no empobrecimento das mulheres;
– A elevação dos casos de violência em suas múltiplas dimensões (física, moral, patrimonial, psicológica e sexual), com ênfase nos casos de violência doméstica e de feminicídio, dada a necessidade de isolamento social e do aumento da convivência no ambiente familiar;
– Por outro lado, contraditoriamente, a subnotificação dos dados envolvendo violência doméstica contra mulheres, apesar do aumento dos casos;
– A significativa quantidade de óbitos e evidentes dificuldades para receber atendimento adequado, especialmente envolvendo mulheres pretas e pardas, as quais, em geral, não têm acesso a planos de saúde e lidam com a precarização do sistema de saúde público;
– O agravamento de casos de sobrecarga da saúde mental das mulheres, com a multiplicação de doenças psicossociais, como depressão, pânico e ansiedade.
O documento do Dossiê está disponível na Biblioteca do Instituto Pacs e no site da Campanha #MulheresTerritóriosdeLuta.