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Atingidas pela mineração fazem história ao realizar o primeiro pré-ERAM das mulheres

Nos últimos 15 anos, o Encontro Regional de Atingidas e Atingidos pela Mineração (ERAM) se consolidou como um espaço muito importante para a articulação de comunidades impactadas por empreendimentos ligados à extração, processamento e transporte de minério no Corredor Carajás, área que compreende toda a extensão da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que vai do Pará ao Maranhão, cortando o norte e o nordeste do país. Realizado desde 2009, o encontro promove a construção coletiva de estratégias de defesa e de denúncia em âmbito local, nacional e internacional.

Antes do ERAM, são realizados uma série de encontros preparatórios e de mobilização, conhecidos como pré-ERAM. Geralmente eles são mistos, mas neste ano aconteceu algo histórico: nos dias 24 e 25 de janeiro, a comunidade de Piquiá da Conquista, em Açailândia (MA), sediou o primeiro pré-ERAM das mulheres, um espaço totalmente dedicado a pensar nos impactos diferenciados dos megaprojetos na vida das mulheres e nas suas estratégias de resistência.

Primeiro pré-ERAM das mulheres, em Açailândia (MA). Foto: Thiago Santos / Justiça nos Trilhos

Promovido por Justiça nos Trilhos (JnT), Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e Comissão Pastoral da Terra (CPT), o encontro reuniu mulheres do Corredor Carajás e de outras regiões afetadas pela mineração, como Minas Gerais e Rio de Janeiro. Da equipe do Pacs, estiveram presentes a coordenadora de projetos e integrante da coletiva de gestão, Ana Luisa Queiroz, a assessora político-pedagógica Carmen Castro e a assistente político-pedagógica Jamílly do Carmo.

Ana Luisa Queiroz lembra que esse encontro “foi uma semente plantada por Anacleta Pires”, liderança quilombola do território Santa Rosa dos Pretos, na zona rural de Itapecuru-Mirim (MA), que ancestralizou em 17 de setembro de 2024, aos 58 anos. “Isso esteve muito presente ao longo do encontro, porque ela é uma referência muito importante para todas nós. Foi bem bonito. Há muito para caminhar, mas a minha avaliação foi muito positiva”, afirma Ana Luisa.

Em 2019, o Pacs foi convidado pela JnT e pela CPT para construir o primeiro espaço exclusivo para mulheres dentro do encontro regional: a roda de mulheres do ERAM. Na ocasião, o foco foi em fortalecer a confiança entre as mulheres e pensar os espaços seguros de troca sobre os temas – e as violências – que atravessam as suas vidas.

Entre 2020 e 2022, o encontro não aconteceu, por causa da pandemia, mas em 2023 e 2024 o Pacs voltou a facilitar a roda de mulheres do ERAM e promoveu um diagnóstico sobre como essas mulheres são impactadas pelo rastro de violações da mineração e também pelo machismo, pelo racismo e por outras formas de opressão. Foi em 2023 que Anacleta Pires apontou a necessidade de realizar o primeiro pré-ERAM para mulheres – semente que rendeu frutos neste ano, na simbólica comunidade de Piquiá da Conquista.

A programação contou com místicas, rodas de conversa e espaços de decisão e articulação coletiva. Dentre os encaminhamentos tirados no encontro estão a consolidação do pré-ERAM das mulheres; a promoção de formações sobre os temas em debate no ERAM, como a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), e outros temas relacionados às suas vivências; além da criação de um espaço de discussão amplo sobre gênero, com participação de mulheres e homens, no próximo ERAM, que ocorre no segundo semestre.

No encontro, também foi aprovada uma carta de solidariedade a comunidade de Piquiá de Baixo, que “tem uma luta de praticamente 20 anos em relação a reparação dos danos que eles vivem, porque eles estão completamente sufocados pelas atividades da cadeia minero-siderúrgica”, como explica Ana Luisa Queiroz.

Após anos de denúncias sobre as inúmeras violações sofridas no bairro, 312 moradias foram entregues pelo poder público, em outubro de 2024, fruto de um acordo de reassentamento que culminou na construção do bairro Piquiá da Conquista. No entanto, as famílias acabaram contraindo uma dívida neste processo, pois a posse das moradias foi condicionada a adesão das famílias a programas de financiamento do projeto Minha Casa Minha Vida.

Em Piquiá da Conquista ainda há estruturas não finalizadas, como a escola e a praça; e equipamentos cujo o funcionamento não iniciou, como a unidade básica de saúde. Além disso, parte dos moradores da comunidade de Piquiá de Baixo não foi contemplada no novo bairro e segue no endereço original, expostos aos riscos anteriores e a novos, que são resultados, por exemplo, da falta de manutenção de equipamentos públicos, como praças e postes de luz, e demolições arbitrárias de residências e áreas coletivas, feitas em parceria entre o poder público e as empresas atuantes na região.

Além de apresentar denúncias, a carta aprovada traz reivindicações – dentre elas, a criação de um parque ambiental em Piquiá de Baixo e isenção para os moradores incluídos em programas de financiamento do Minha Casa Minha Vida, pois as famílias reassentadas em Piquiá da Conquista foram reassentadas em função dos impactos em seu bairro original. Leia a carta na íntegra aqui.

Durante a realização do pré-ERAM, também ocorreu um ato político em solidariedade aos moradores de Piquiá de Baixo, de Piquiá da Conquista e de todas as comunidades impactadas pela cadeia minero-siderúrgica, sobretudo pela Vale S.A – dentre elas, as vítimas da tragédia-crime socioambiental da Vale em Brumadinho (MG), que completou 6 anos no dia do ato, no dia 25 de janeiro.

A mineradora Vale S.A. é concessionária da EFC e tem outros empreendimentos no percurso e na área de influência da ferrovia, área que ficou conhecida como Corredor Carajás – onde também há forte presença da siderurgia, do agronegócio, de empresas que produzem energia e outras. Neste amplo e diversificado território há 27 municípios, onde vivem cerca de 100 comunidades de agricultores familiares, ribeirinhos, quebradeiras de coco, quilombolas, indígenas e periferias urbanas – todas afetadas pela operação da Vale e de outras corporações.

“Realizar um ato político dentro da comunidade de Piquiá da Conquista, um bairro marcado pela luta contra a poluição e pela conquista de um novo lar digno, reforça o compromisso com a memória e a justiça. A solidariedade entre os povos atingidos é a nossa força para seguir denunciando crimes, como os de Brumadinho e Piquiá de Baixo, e para seguir exigindo reparação”, avaliou a coordenadora política da JnT, Larissa Santos, em publicação da organização. “Nenhum crime pode ser esquecido e nenhuma vida pode ser silenciada”.

Para saber mais sobre o próximo ERAM e outras mobilizações das mulheres atingidas pela mineração, acompanhe os sites e redes sociais do Pacs, da JnT e da CPT.