Campanha denuncia caso de racismo ambiental e exclusão climática no Rio de Janeiro e cobra mudança em legislação
A campanha Rio Capital do Caô Climático foi lançada no dia 5 de setembro de 2024, com uma ação nas redes sociais e um ato no Cristo Redentor , no Rio de Janeiro. Ativistas de diversas organizações e movimentos sociais foram até o principal cartão-postal carioca, para denunciar que a Política Municipal sobre Mudança do Clima e Desenvolvimento Sustentável beneficia a maior poluidora da cidade, a Ternium Brasil (antiga TKCSA), que também é a maior siderúrgica da América Latina. A campanha expõe como os impactos devastadores da empresa recaem sobre a população e reivindica justiça socioambiental e climática. Uma política que promete adaptação climática e entrega racismo ambiental só pode ser “caô”.
Dentre as organizações que constroem a campanha estão o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), o Coletivo Martha Trindade, o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, o Fórum Popular da Natureza, a Coalizão pelo Clima, a Teia de Solidariedade da Zona Oeste e a Justiça Global.

A Política Municipal sobre Mudança do Clima foi instituída pela Lei Municipal nº 5.248/2011 e cria metas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) no Rio de Janeiro. No entanto, não coloca nessa conta os números da Ternium – que, sozinha, é responsável por mais de metade das emissões de GEE de toda a cidade, que é a segunda mais populosa do país, com cerca de 6 milhões de habitantes. O dado é do relatório “Mudanças climáticas e siderurgia – Impactos locais e globais da Ternium Brasil”, que foi publicado pelo Pacs e está disponível aqui.
Especialistas apontam que essa Política criou uma “zona de exclusão climática”. Isso porque o Artigo 6º da Lei nº 5.248/2011 estabelece que as emissões de GEE das empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz – onde a siderúrgica está instalada há quase duas décadas – não serão contabilizadas junto com as emissões da cidade. O texto diz que essas empresas obedecerão a metas diferentes, mas não diz quais são essas metas.
Essa conta não fecha – e quem está ficando com o prejuízo é o planeta e a população, que estão adoecendo. Por isso a campanha Rio Capital do Caô Climático defende a imediata revogação do Artigo 6º da Lei nº 5.248/2011.
No primeiro semestre de 2024, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) já havia recomendado a revogação do texto, no relatório da Missão sobre violações de direitos humanos e emergência climática no estado do Rio de Janeiro, realizada entre fevereiro e março.
O tema também já foi pautado em audiência pública, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em agosto de 2024. Na ocasião, o professor e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa Dias, defendeu que “essa lei é vexatória” e que “esse artigo é injustificável e precisa ser imediatamente revisado e retirado, por uma questão de direito à saúde, que é um preceito e está prescrito na Constituição Federal”.
A coordenadora de projetos e integrante da coletiva de gestão do Instituto Pacs, Ana Luisa Queiroz, também defendeu a revogação do texto na ocasião. Ela frisou que “o Rio de Janeiro tem uma dívida histórica com os moradores de Santa Cruz”.
Durante a audiência, diversos moradores de se manifestaram. Maria Regina de Paulo afirmou que “a empresa diz que o ar de Santa Cruz é puro, mas não é”. Beatriz Alves, que compõe o Coletivo Martha Trindade, apontou que os moradores estão “respirando um ar de 3 a 8 vezes mais poluído do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde” e que “seguimos sem protocolos de cuidado, sem políticas públicas de saúde para os moradores, sem acesso aos dados epidemiológicos do território e sem possibilidade de diálogo com as unidades de saúde, contrariando totalmente os princípios de participação popular do Sistema Único de Saúde”.
A audiência foi transmitida ao vivo e está disponível na íntegra no YouTube. Clique aqui para assistir.

Santa Cruz é um dos maiores bairros da Zona Oeste do Rio e sua população é majoritariamente negra e empobrecida. Já foi um território de águas limpas, ar puro, atividade pesqueira e agricultura familiar, mas tudo mudou quando a antiga TKCSA, atual Ternium, se instalou na região.
Desde então, a poluição da siderúrgica pode ter causado até 1.750 mortes, só em Santa Cruz – incluindo de crianças pequenas, menores de 5 anos. As mortes estão associadas principalmente a infecções e doenças respiratórias, pulmonares e cardiovasculares. A estimativa é do relatório “Air quality impacts of the Ternium Brasil Santa Cruz steel plant”, que foi publicado pelo Centre for Research on Energy and Clean (CREA) e está disponível aqui.
Após o lançamento da campanha Rio Capital do Caô Climático, o tema chegou a ser pauta nos telejornais diários RJTV 2ª edição, da Globo, que está disponível aqui, e Jornal do Rio, da Band, que está disponível aqui.
Uma semana depois, a siderúrgica voltou a ocupar as manchetes dos mesmos jornais. Dessa vez, porque foram reveladas falhas no monitoramento de emissão de poluentes. A licença de operação da Ternium obriga a empresa a manter estações de monitoramento de qualidade do ar e a enviar relatórios para o Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea). No entanto, o RJTV 2ª edição revelou que, em setembro de 2024, os dados só foram enviados em 6 dos 30 dias do mês. Confira aqui a reportagem do RJTV. O Jornal do Rio ainda informou que o Inea faria uma vistoria no local, mas depois não trouxe atualizações sobre o caso – confira aqui a reportagem.
Recentemente, em julho de 2025, os impactos da poluição causada pela siderúrgica voltaram a ser denunciados na imprensa. Dessa vez, porque um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Veiga de Almeida (UVA) identificou que parte dos óbitos por doenças cardiorrespiratórias, de crianças de até 5 anos que vivem na região, poderiam ser evitados, se a quantidade de partículas poluentes presente no ar não fosse superior à recomendada por órgãos internacionais. A coordenadora do Pacs, Ana Luisa Queiroz, defendeu, em reportagem publicada na Folha de S.Paulo, que “não existe caminho de reparação e de melhoria da saúde das pessoas sem a responsabilização dos que causam esses problemas e lucram com o adoecimento do povo”. Para ela, “a justiça social e ambiental não se concretizará na cidade do Rio de Janeiro se não olharmos com cuidado para a Zona Oeste”. Confira a reportagem aqui.

Hoje, estão em tramitação mais de 200 ações judiciais de moradores, pedindo reparação pelos danos causados pela siderúrgica. Elas citam episódios de emissão severa de partículas poluentes na atmosfera, que ficaram conhecidos como “chuva de prata”, além de rachaduras nas casas e enchentes provocadas pelo desvio do Canal São Fernando à época da construção da siderúrgica.
As ações aguardam um veredito da Justiça há mais de 11 anos. Sem medidas de reparação e prevenção a novos danos, a empresa mantém seu padrão produtivo poluidor e os moradores seguem denunciando a poluição e o aumento de doenças. Além disso, a histórica limitação do espaço de pesca e a perda da qualidade da água impactam a oferta de pescado nos corpos hídricos locais e, portanto, a garantia de renda e segurança alimentar.
Durante a audiência pública realizada em agosto de 2024, um morador de Santa Cruz, Jaci do Nascimento, contou que vivia da pesca e ficou sem ter de onde tirar o sustento, porque “agora não tem mais aquele peixe, que era saudável, porque não tinha a química da siderúrgica caindo na água”.
Poluição que ultrapassa limites
O relatório do CREA também revela que as partículas provenientes da produção de aço da Ternium, que são despejadas na atmosfera e acabam poluindo o ar e invadindo as casas e corpos de moradores de Santa Cruz, estão avançando sobre outras regiões e ultrapassando os limites entre bairros, cidades e até estados.
A poluição da Ternium chega no centro e na zona sul do Rio – e não para por aí. Atinge toda a baixada fluminense e a região serrana e se espalha por toda a Costa Verde, chegando a Mangaratiba, Paraty e até Ubatuba, no litoral norte de São Paulo.
O rastro de poluição deixado pela siderúrgica atinge diversos patrimônios tombados por seu valor histórico e cultural, além de áreas de preservação ambiental e territórios de comunidades tradicionais. Também chega em cidades marcadas pelos impactos de eventos climáticos extremos, como Petrópolis (RJ) e São Sebastião (SP), e cidades que já sofrem com os impactos de outras siderúrgicas, como Volta Redonda (RJ), onde fica a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
O relatório estima que o custo de toda a poluição causada pela Ternium pode ultrapassar R$13,2 bilhões – valor maior que o orçamento anual do Rio de Janeiro para a educação, cultura e esportes juntos. Seria o suficiente para construir mais 6 terminais como o Terminal Intermodal Gentileza, que custou cerca de R$2 bilhões.

Desde o seu lançamento, a campanha Rio Capital do Caô Climático já realizou e colaborou com diversas ações. Dentre elas, está a Marcha pelo Clima, mobilização que aconteceu no dia 20 de setembro de 2024, em todo o mundo. No Brasil, houve adesão de 15 cidades. O ato no Rio de Janeiro começou na Cinelândia, onde ativistas fizeram falas. Depois, centenas de manifestantes caminharam até os Arcos da Lapa – de onde foi lançada uma faixa de 6 metros, denunciando que a poluição da Ternium se espalha pela cidade e chega até o centro do Rio de Janeiro.






Também no dia 20 de setembro, teve início a 6ª edição do Plante Rio, na Fundição Progresso. A programação contou com dois dias de rodas de conversa, oficinas, lançamento de livros, apresentações artísticas e feira de produtos agroecológicos e de comunidades tradicionais.
Na manhã do primeiro dia, o aulão “Florestando Resistências: do G20 a COP30” reuniu ativistas para falar sobre as estratégias utilizadas no enfrentando às mudanças climáticas. Ana Luisa Queiroz falou sobre a campanha Rio Capital do Caô Climático e alertou para a urgência do tema. Também participaram representantes da Cúpula dos Povos, Fase, Rede Jubileu Sul, Coalizão pelo Clima, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Coletivo Fala Akari, Clima e Favelas, Carta de Belém e Rede de Vigilância Popular.
À tarde, no debate sobre “O Estado da Arte do colapso Climático no Rio de Janeiro”, a ativista climática e membro do Coletivo Martha Trindade, Jamílly Silva, falou sobre a realidade dos moradores afetados pela Ternium e sobre a campanha. Também participaram moradores atingidos por megaempreendimentos em Magé (RJ), Volta Redonda (RJ) e Petrópolis (RJ), além do professor Sérgio Portela, da Fiocruz.
No fim do dia, foi construído coletivamente um memorial, em homenagem a defensores do clima e dos direitos humanos que deixaram um legado de resistência e inspiração para quem continua na luta. Diversas árvores foram colocadas no Memorial das Pessoas Encantadas. Em cada uma havia um nome e uma história, de vida e de luta. Dentre elas, estava a do pescador Ivo Siqueira, que denunciou durante toda a vida os impactos socioambientais dos megaprojetos na Zona Oeste do Rio e na região. Os participantes do evento levaram as árvores para casa, para manter viva as sementes de resistência deixadas por Ivo e tantos outros.






No segundo dia de atividades, a estudante e ativista do Coletivo Martha Trindade, Beatriz Alves, também falou sobre o caso de Santa Cruz no debate “Que Clima é Esse?”. No fim do dia, ela ainda leu a carta compromisso que moradores construíram para que candidatos e candidatas às eleições municipais se comprometam com a solução dos problemas causados pela Ternium no bairro. Leia a carta aqui.
Outras coletividades também fizeram a leitura de cartas compromisso na ocasião. A assessora político-pedagógica do Instituto Pacs, Carmen Castro, leu a Carta da Articulação do Clima, Floresta, Campo e Cidade do Estado do RJ, junto com Nahyda Franca, do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental. A carta também menciona o caso da Ternium, leia aqui.
Todas as candidaturas presentes no evento se comprometeram com as demandas – dentre elas, a do candidato a prefeito Tarcísio Motta (Psol) e dos/das candidatos/as a vereador/a Indianarae Siqueira (PT); Mônica Francisco (PT), Heloisa Helena (Rede), Elza Ribeiro (Psol) e Carlos Vasconcelos (Psol). Posteriormente, também declararam compromisso William Siri (Psol), Monica Cunha (Psol), Monica Benício (Psol) e Dani Nunes (PT).
No fim de setembro, a coordenadora do Pacs, Ana Luisa Queiroz, também falou sobre a campanha no último módulo do curso Mulheres e Economia, realizado pelo Pacs há 20 anos. Na ocasião, as participantes se reuniram para fazer uma foto ação no píer em Pedra de Guaratiba (RJ), denunciando que a poluição da Ternium também chega até o local.

Em novembro, a campanha promoveu uma roda de conversa com jovens da Zona Norte do Rio, em parceria com o Museu da Maré e o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), para mostrar como o impacto de uma siderúrgica que está do outro lado da cidade pode afetar a região.
Representantes do Coletivo Martha Trindade ensinaram os participantes a usar equipamentos capazes de medir a qualidade do ar e foi feita a medição em diversos pontos da comunidade.
Após a atividade, uma faixa foi afixada na Avenida Brasil, para alertar que a Ternium fica em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, mas a sua poluição chega até na Maré, na Zona Norte. O jornal comunitário O Cidadão fez uma reportagem sobre a atividade, leia aqui.







Ainda em novembro, representantes da campanha participaram do G20 Social, da Cúpula dos Povos e da Marcha dos Povos.
No G20 Social, a campanha foi apresentada como referência de iniciativa voltada para a denúncia da poluição industrial e a exigência de mudanças na governança climática, durante o painel “Justiça Climática nas Zonas Costeiras e Marinhas”, organizado pela Defensoria Pública, em parceria com organizações como o Pacs, o Fórum Suape e o Instituto Terra Mar.
O debate também contou com representantes do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), pescadores do litoral fluminense e do Rio Grande do Sul, além de membros da Rede Nacional de Mulheres Guardiãs de Territórios Atingidos. Foram discutidos os impactos da poluição e das mudanças climáticas nas comunidades costeiras, destacando-se a degradação da Baía de Sepetiba, causada pela Ternium. A Defensoria Pública comprometeu-se a redigir um documento de recomendações para o G20, visando aprimorar a atuação junto às comunidades afetadas.

A Cúpula dos Povos ocorreu em paralelo ao G20 e foi organizada por movimentos sociais de todo o mundo, para debater questões globais sob uma perspectiva popular. Em 2024, reuniu centenas de pessoas de todas as regiões do Brasil e de países da África, América Latina e Caribe, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro (RJ).
Durante o dia, aconteceram intervenções artísticas e culturais, partilha de materiais como livros e cartilhas, além de mesas de debate e quatro plenárias temáticas simultâneas, nas quais os participantes discutiram sobre temas como justiça socioambiental e climática, lutas antipatriarcais e antirracistas, enfrentamento às desigualdades, luta anticapitalista e governança mundial.
No fim do dia, representantes da campanha Rio Capital do Caô Climático fizeram uma intervenção urbana, saudando a memória de defensores dos direitos socioambientais que dedicaram a vida à causa e deixaram um legado de inspiração para a luta por justiça climática.






A Marcha dos Povos reuniu centenas de pessoas em Copacabana, a partir do lema “Palestina livre do Rio ao mar”. Os manifestantes pediam o fim do genocídio do povo palestino e o respeito à soberania de todos os povos, mas também defendiam pautas climáticas amplas, como a valorização da vida acima do lucro e a criação de políticas prioritárias para populações historicamente negligenciadas, como quilombolas, indígenas, mulheres e moradores das periferias. Na ocasião, representantes da campanha distribuíram panfletos sobre o caso da Ternium em Santa Cruz e denunciaram o tamanho dos impactos da siderúrgica.

Para acompanhar as próximas ações da campanha Rio Capital do Caô Climático, siga o Instituto Pacs e as outras organizações que constroem a campanha nas redes sociais.