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Ato-ebó coletivo denuncia racismo religioso na gestão municipal do Rio de Janeiro

No dia 28 de abril, a Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro (RJ), foi ocupada por povos de matriz africana, que realizaram um ato-ebó coletivo, para reivindicar a revogação de uma medida da Prefeitura do Rio: a publicação do decreto nº 55.824, no dia 24 de março de 2025, que revogou uma Resolução Conjunta da Secretaria Municipal do Ambiente e Clima (SMAC) e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), de 19 de março de 2025, poucos dias antes. A resolução reconhecia práticas tradicionais de matriz africana, como ebós, banhos de ervas, chás, defumações, amacis e gborys como práticas complementares ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que são práticas culturais comunitárias que dão suporte a saúde física, psíquica e social.

Ato-ebó coletivo na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Fotos: Thais Matos/Instituto Pacs.

A decisão foi promulgada pelo prefeito Eduardo Paes, após pressão de parlamentares da extrema-direita. Em entrevista ao G1, o prefeito afirmou que a decisão prioriza a laicidade do estado e a ciência. No entanto, líderes religiosos e defensores dos direitos das religiões de matriz africana apontam que a decisão é um retrocesso e uma manifestação de racismo religioso. 

Durante o ato-ebó coletivo, houve a lavagem das escadarias da Câmara Municipal, cânticos e danças tradicionais, além de uma aula pública. Depois, todos os representantes de terreiros, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e mandatos presentes participaram da audiência intitulada “Rio Cidade Ancestral? Cenário de políticas públicas para povos tradicionais de matriz africana como espaço de promoção de saúde e cuidado”, para apresentar o caso e ampliar o debate sobre o papel dessas comunidades para além das suas atribuições religiosas, mas também como espaços de saúde, cuidado coletivo e cultura.

Foto: Thais Matos/Instituto Pacs.

A assessora político-pedagógica do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), Thais Matos, participou da mobilização e conta que “a audiência foi importante sobretudo para fortalecer a rede de povos tradicionais de matriz africana, que seguem afirmando que a saúde, para ser integral, deve também ser ancestral”. 

As práticas ancestrais de matriz africana são validadas pela resolução 715/2023, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), cuja diretriz nº 46 reconhece a importância do acolhimento de pessoas vulneráveis realizado pelas unidades territoriais tradicionais. 

 O reconhecimento protocolado pela Resolução Conjunta da SMAC e da SMS representou um avanço significativo na compreensão do que é saúde integral, sobretudo para a população negra. Já a suspensão da resolução, poucos dias depois da sua publicação, revela a persistência do racismo religioso nas instituições. 

A discriminação que os povos de matriz africana enfrentam no sistema de saúde tem varias faces. A primeira delas é o não reconhecimento de seus saberes como práticas de cuidado e de promoção da saúde, enquanto práticas de outros povos são reconhecidas sem objeções. “Além disso, o impedimento de ritos litúrgicos e até o descarte de itens pessoais sagrados fazem parte do repertório de violências perpetradas contra os povos de matriz africana dentro do sistema de saúde”, lembra Thais.

A imediata mobilização da extrema direita diante da resolução envolveu propagandas sensacionalistas nas redes sociais, que não refletem a importância que os saberes de matriz africana têm, não só para os seus adeptos, mas para a própria medicina. Para a assessora político-pedagógica do Instituto Pacs, Thais Matos, que participou do ato-ebó coletivo, “além do racismo inerente à práxis desse campo político, a imediata absorção dessa pauta pela gestão municipal revelou a impregnação do debate público por perspectivas problemáticas”.