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#MulheresTerritóriosdeLuta: o feminismo, o corpo e o cuidado integral no centro da vida e da luta, pelo olhar de Teresa Boedo¹

Teresa Boedo é ativista feminista e defensora dos direitos humanos, articulada com coletivas pelos direitos das mulheres, no caminho do autocuidado e da sanação. O material foi produzido por Ana Luisa Queiroz e Marina Praça, editado por Karoline Kina e faz parte da série de entrevistas com mulheres lutadoras da América Latina, pela campanha #MulheresTerritóriosdeLuta.

Teresa Boedo | Foto: Instituto Pacs

PACS: O que é luta para você e o que te move?

Teresa: Sou ativista desde muito jovem, natural da Galiza, uma região no noroeste da Espanha. Também nasci em um lugar com muitos privilégios, mas também com muitas desigualdades. Desde pequena estou no ativismo, minha formação sempre me orientou a trabalhar com mulheres, desde muito jovem e de uma forma muito organizada, mas também muito necessário para mim. Sempre digo que o feminismo salvou minha vida, de muitas maneiras, mas também conseguiu me tirar de transes e enredos muito complexos. A aproximação ao feminismo foi orgânica. Estive em diferentes espaços, mais territoriais, mais específicos, de diversidade sexual, de diversidade funcional. Tenho trabalhado muito com organizações e povos originários, e sempre estive em espaços de articulação em redes e na luta pelos corpos das mulheres, por justiça para as mulheres, pelo bem-esta. Isto é construir um sonho emancipatório que nos permita viver coletivamente, nós mulheres, e atender aos impactos e desgastes que este sistema patriarcal, racista e capitalista tem sobre nossos corpos, nossas emoções, mentes e energias.

Bom, para mim a luta é isso: articular, compartilhar, me enredar, pensar junto. É construir uma ação política entre as mulheres. O feminismo sempre foi meu espaço de luta, meu protetor, meu quadro político e minha proposta.

Também estou misturando minha carreira, ou seja, participei de diferentes processos de criação de metodologias feministas, de sexualidades diversas, de processos multiculturais, de reflexão e ação conjunta, de fortalecimento institucional, de criação e construção de pensamento político. E mais recentemente estou entrando no tema da cura da violência estrutural, como o cuidado tem que ser uma prática cotidiana, política, cultural e organizacional para construir esse bem-estar, fortalecer as redes da vida, transformar memórias corporais, sistêmicas, ancestrais, e dessa vida que todas nós levamos, certo?

PACS: Então, o feminismo está no centro da sua vida e luta? E a perspectiva do corpo, onde entra?

Teresa: Bem, se eu sou uma feminista pela autonomia, liberdade e emancipação das mulheres e procuro desmantelar, curar e destruir o sistema patriarcal heteronormativo como um paradigma onde todos os sistemas de opressão se sobrepõem, o racista, o capitalista, etc.

E sobre o corpo, eu acho que o assunto do corpo aqui é um ótimo tema, na verdade. Em outras palavras, para mim é um processo de constante transformação e reencontro. Sempre digo que estou em um processo de reencontro constante comigo mesma. Ainda mais agora, no contexto de um ressurgimento da violência em nossos países, onde estamos sentindo mais os impactos de toda essa violência sistêmica, o corpo assume uma posição prioritária para mim, para minha luta e, portanto, para a luta de todas. Porque é nele onde vemos muitos impactos e condições que devem estar na base para a construção da nossa proposta emancipatória, porque é no corpo onde todos os impactos do trabalho, do ativismo se refletem na energia, emocional, intelectual, e a nível físico. E é onde devemos começar a trabalhar. E para mim, colocar o corpo no centro, cuidar da vida, viver bem, ou seja, o corpo tem um papel fundamental, é peça chave nesse sonho emancipatório.

PACS: Onde está a arte em você e em suas coletividades? Quais potências a arte traz?

Teresa: No que diz respeito à arte, me parece que cada vez mais estamos nos aproximamos de propostas artísticas capazes de transmitir esse sonho emancipatório que temos, porque nós, mulheres, estamos ligadas à capacidade de criar e a arte vem muito com essa habilidade, que sempre nos associou com a capacidade de criar vida. A energia criativa que as mulheres têm é aquela que tem múltiplas manifestações por trás da arte, certo? Acredito que sejam múltiplas ferramentas que nos ajudam a realizar nosso sonho emancipatório e nosso bem-estar. Porque é por lá que também nos permitimos deixar ir, nos expressamos e é uma forma muito das mulheres, porque também implica coletivizar, implica deixar ir, implica cura.

PACS: Em seu corpo, de onde você sente que vem a sua força e onde você sente mais o impacto, a dureza?

Teresa: Acho importante falar nisso, eu tenho endometriose, que é supostamente uma doença que dizem que é crônica. Eu resistia muito em aceitar isso e tive que trabalhar muito nessa condição. Mas para mim, tudo realmente se manifesta no útero, primeiro se manifesta lá, nas genitais. Sinto também dores de cabeça e enxaquecas e toda a questão da indigestão que tem a ver com não ser capaz de digerir tanta merda … abarriga incha, diarreia constantemente e, além disso, dores musculares, ombros, cotovelos, articulações.

PACS: E sua força, vem de onde?

Teresa: Coincidentemente, também vem do útero. É o ponto mais vulnerável, mas ao mesmo tempo é o mais forte, porque é nele que me recupero, é onde me torno ciente, é onde recupero a minha força criadora.

PACS: Como você se cuida, o que é cuidado para você? Como você vê o cuidado? O que te deixa doente e o que te cura?

Teresa: Neste momento, me sinto muito desafiada a esse nível, devido ao stress e responsabilidade com o que lidamos. Estou em um momento no qual tenho que fazer muitos ajustes no meu dia a dia para ficar minimamente saudável. Neste processo de reflexão, porque o que quero dizer é que não fiz tudo, longe disso, para mim é um processo de reflexão constante. O cuidado tem que ser algo cotidiano e que necessita ser trabalhado em diferentes níveis. Pessoalmente, estou trabalhando na minha nutrição como um dos primeiros elementos que me causam cuidado e bem-estar. Estou trabalhando no nível corporal, preciso caminhar, correr, nadar, fazer algum tipo de massagem, etc. Quer dizer, estou dizendo a você como dimensões, não é que eu pratico tudo, quem dera! Essa dimensão, aquela primeira da comida e do corporal, que diz respeito ao corpo por fora e ao corpo por dentro, tem a ver com um trabalho emocional, preciso de um acompanhamento terapêutico, seja transpessoal, terapia integrativa, algum tipo de terapia emocional que me permita colocar tudo no seu lugar, ter um espaço para catarse, etc. Conhecer meus medos, minhas frustrações, minhas emoções. Tenho que trabalhar no nível energético e isso é algo que sempre esquecemos e acredito que os povos originários continuam nos ensinando e nos dando ferramentas nesse sentido. Em outras palavras, há uma questão do campo de energia, do espaço vital, da energia da sua casa, do seu espaço de trabalho, e tal, que temos que seguir… Que preciso trabalhar nesse nível. Limpar a casa, limpar o espaço, tomar banho de arruda, fazer algum tipo de aspersão, seguindo o calendário maia, certo? Atender às energias do momento, tê-las presentes, fazê-las conscientes, entender que não sou o centro do mundo, que existe um sistema que está aqui funcionando, que é uma energia que devemos honrar e agradecer. 

Então, para mim, o cuidado também tem a ver com estabelecer limites no trabalho, no ativismo, na luta, porque a gente tem a tendência de nos abandonar, de nos desgastar. Eu falo porque eu faço constantemente. Na sexta-feira passada fiquei louca, não parei e meu corpo me impediu com cólicas menstruais, porque meu útero sabe quando não aguento mais, mas eu continuo e continuo, meu útero me diz “Eu vou pegar você com uma mega cólica para você ter que parar um pouco.” E aí está quando entra com todo esse poder que não há escolha senão fazer, então me obriga a abaixar meu corpo, me obriga a parar e por limites. Ou seja, no plano intelectual e mental, aprender a colocar limites para trabalhar, saber dizer não, saber dizer sim ao que é bom para mim, saber quando tenho que parar, continuar aprofundando com esse conhecimento, aclarar sobre o que me faz bem e o que não me faz bem.

Ter cuidado se não trabalho em todas essas dimensões, por mais que ande meia hora por dia, não é o suficiente para mim. Pra mim é uma questão integral, tem que ser do dia a dia, agora estou conseguindo refletir sobre isso e ter mais dinâmica, porque dentro das organizações a gente precisa coloca o cuidado no centro, entre as companheiras e de cada uma para si mesmas, isso é urgente…

Também num trabalho virtual que a gente faz, como cuidar, porque não estou olhando para você, como respeitar os limites umas das outras… também tomar cuidado nesse sentido… e como continuar nos fazendo tema de discussão porque precisamos do apoio das nossas organizações para nos conscientizarmos disso.

Bom, para mim, cuidar é um ato de justiça, que tem a ver com estar no mundo, cuidar da vida.

[1] A entrevista com Teresa Boedo foi dividida e publicada em duas partes no site e Medium do Instituto Pacs. A primeira parte, ” #MulheresTerritóriosdeLuta: defensoras de direitos humanos na América Latina”, pode ser acessada em: https://pacsinstituto.medium.com/mulheresterrit%C3%B3riosdeluta-defensoras-de-direitos-humanos-na-am%C3%A9rica-latina-97327f5a7f3