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O racismo ambiental e as faces brancas e patriarcais dos megaprojetos de “desenvolvimento” — Cris Faustino

O texto foi organizado por Karoline Kina, com base na fala de Cris Faustino, integrante do Instituto Terramar, durante o sexto Ciclo de Debates #MulheresTerritóriosdeLuta, cujo tema foi o “Racismo Ambiental em contexto de megaprojetos”.

Eu sempre fico pensando o que dizer ainda sobre questões como o racismo, porque a gente já vem há muitos anos falando sobre essas coisas. Tem sido uma conquista, no meu entender, a atuação da militância antirracista, da fala das mulheres negras, porque elas são bastante representativas, vivas, cheias de conhecimentos, ancestralidades e intelectualidades, então não tem reversão, é um processo irreversível, como diria Vilma Reis da Bahia.

Foto: Acervo pessoal

Acredito que uma das principais coisas que dificulta o debate é a compreensão aprofundada sobre o racismo estrutural e a forma como ele é fundante da nossa história. O Brasil começa com uma expropriação territorial e todos esses ciclos econômicos, o período colonial e pós colonial, são baseados na exploração de matérias primas, além da ambiental. A história da degradação da natureza remonta a esse tempo de colonização, além também de toda a questão de quem domina e quem tem sido prejudicado dentro do processo histórico.

Apesar dos avanços no debate por meio das intelectualidades negras e dos povos indígenas, no meu entender, ainda falta um enorme salto na compreensão mais ampliada sobre o que é o racismo e as desigualdades, para além dos dados estatísticos. Compreender para além de uma abstração teórica, é preciso entender como uma prática que é vivida no cotidiano e que é geradora de intensas violências. Não há como discutir a questão ambiental como racismo, se você não consegue enxergar como ele é efetivo, não é uma abstração e é por isso que lutamos por políticas afirmativas, de mudanças no agora, pois ainda temos uma grande dificuldade em ultrapassar do pensamento para a construção metodológica do enfrentamento.

No debate sobre os megaprojetos de “desenvolvimento”, é importante nos questionarmos ainda quais são os territórios demandados por essas empresas, quem são as populações, as suas histórias. É preciso fazermos essa leitura das histórias dos territórios demandados pelos megaprojetos. Por exemplo, a mineração, a siderurgia, a produção de energia eólica, o turismo convencional e todo o resto são atividades que demandam vastos territórios e que não se encerram numa cadeia produtiva em si. São cadeias articuladas e com relações desiguais, tanto do ponto de vista ambiental, quanto social e da “inclusão” no mercado de trabalho e nos direitos trabalhistas.

São muitas demandas, um uso excessivo de água e uma produção intensa de energia. Esses projetos demandam, inclusive, os danos ambientais e sociais, porque eles não têm a possibilidade de serem implementados sem gerá-los. Esses locais são territórios que têm o que as pessoas chamam de recursos naturais, que são os produtos que vão ser explorados pelo extrativismo industrial de larga escala e, com isso, há toda uma destruição dos modos de vida tradicionais e seus vínculos profundos com a natureza. Essa destruição ela não é só cultural, também está relacionada com o trabalho e com a destruição dos corpos, das ancestralidades e da subjetividade. Tudo isso faz parte dessa demanda, dessa necessidade dos grandes empreendimentos.

Diante disso, é fundamental que haja acordos razoáveis de proteção, mas o que existe são garantias jurídicas para quem degrada o meio ambiente e os direitos dos povos, baseadas em institucionalidades brancas, muitas vezes identificadas e pertencentes aos grupos cujos interesses são dominantes. São acordos predominantes e legitimados e, em sua grande parte, feitos sem a participação das populações negras, indígenas ou originárias desses povos. E aí, uma vez firmados, essas empresas trabalham na construção de um senso comum que enalteça a ideia de um processo, supostamente, desejado e esperado pela maioria das pessoas.

Todo esse contexto acaba gerando inúmeros conflitos nos territórios, que impactam não só os ecossistemas e a biodiversidade, mas também nas subjetividades, juventudes, nos espaços de trabalho e convivência e isso, obviamente, é fator que acaba afastando parte da população local dos seus modos de vida.

Para as mulheres, os impactos são muitos e diversos, incluindo os prejuízos à sua saúde mental, por conta dos agravos das preocupações. Nós não temos nem espaço nos empregos gerados por esses megaprojetos, pois há uma subalternização dos processos produtivos onde se incluem as mulheres.

O poder político de decisão está sob o domínio das elites brancas, o que fortalece seu poder de incidência sobre as populações, de um poder econômico, político e jurídico sob comando do brancos, ricos, racistas e heteropatriarcais. Por isso, há uma demanda forte da nossa articulação em dar visibilidade tanto ao processo de exploração, quanto às potências e possibilidades trazidas pelas mulheres enquanto sujeito.