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2º Encontro Nacional de Agricultura Urbana (ENAU) reúne mais de 300 pessoas em Recife

O 2º Encontro Nacional de Agricultura Urbana (ENAU) reuniu mais de 300 pessoas, de 20 estados, de todas as 5 regiões do país – sendo a maior parte delas, mulheres agricultoras. O encontro foi realizado pelo Coletivo Nacional de Agricultura Urbana (CNAU), entre os dias 30 de julho e 2 de agosto, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Recife (PE), 10 anos após o 1º ENAU, que aconteceu em 2015, no Rio de Janeiro (RJ).

II ENAU reúne mais de 300 pessoas de todo o país em Recife (PE). Foto: @vaness.alcantara / PCR

“A gente teve um encontro muito bonito e potente. O poder de mobilização que a gente conseguiu ter para trazer essas pessoas para o evento foi muito forte”, avalia André Biazoti, que integra a Coordenação Executiva do CNAU. Para ele, “o encontro foi uma forma de mostrar que a agricultura urbana existe e que ela precisa de apoio, de financiamento e de mais estrutura”.

O Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) fez parte da comissão organizadora do encontro e teve participação estratégica no processo de mobilização de agricultoras e agricultores cariocas, sobretudo através da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ) e da Rede Carioca de Agricultura Urbana (RedeCau), redes que o Pacs constrói há anos.

A coordenadora de projetos do Pacs, Yasmin Bitencourt, esteve à frente desse processo e foi para Recife, participar do 2º ENAU. Para ela, “foi muito interessante conhecer iniciativas novas e ver como as agricultoras puderam trocar não só sementes e técnicas, mas também desejos e sonhos”.

Na verdade, esse foi um destaque para todas as pessoas entrevistadas para essa reportagem. Para André, do CNAU, “a troca entre os participantes é uma das coisas mais potentes em um encontro como esse”.

“Esses agricultores são, em muitos casos, invisibilizados nos seus territórios e estão sozinhos tocando uma horta, por muitos anos, com um monte de dificuldades, sem receber apoio nenhum, então estarem em um espaço em que você está com várias outras pessoas que atuam como você e poder trocar com elas, em um ambiente bastante horizontal, é muito potente”, afirma André.

Da esquerda para a direita: Valdirene Militão e Bernadete Montesano, da RedeCau, e Yasmin Bitencourt, do Pacs, no II ENAU. Foto: Acervo/Yasmin Bitencourt

Para Yasmin, do Pacs, outro destaque foi a realização do encontro em Recife (PE), “porque é um território em que há uma expressão muito forte da agricultura urbana enquanto bandeira de luta” e “porque é uma das cidades brasileiras que corre mais riscos com as mudanças climáticas” – discussão que esteve presente em todo o encontro, desde o seu tema: “Cidades que plantam! Agroecologia urbana na luta contra fome e por justiça climática”.

“Quando você fala sobre irrigação, sobre a qualidade dos alimentos, sobre a disponibilidade de espaço, sobre hortas na beira de um rio poluído, você está falando dos impactos das mudanças climáticas e sobre a não efetivação de várias políticas públicas, não só de saneamento, mas também de direitos humanos”, explica Yasmin.

Para André, “a agricultura urbana é uma ferramenta e uma estratégia importante para adaptar as cidades para essas mudanças climáticas que estão acontecendo, mas ainda tem pouco investimento”. Ele aponta que “o financiamento climático tem crescido cada vez mais”, mas que “não vê essas experiências, que de fato transformam os territórios e as realidades das pessoas, sendo apoiadas”. “Isso também surgiu com bastante força durante o encontro”, conta André.

Programação

A programação do 2º ENAU contou com rodas de conversa, vivências, intervenções pedagógicas, atividades culturais, feira e uma plenária final muito especial, que aconteceu na Praça da Várzea, espaço de resistência onde são realizadas feiras agroecológicas aos sábados.

No primeiro dia do encontro, os participantes tiveram a oportunidade de conhecer melhor uns aos outros e as organizações e iniciativas presentes, através do Carrossel dos Territórios, que reuniu instalações pedagógicas construídas coletivamente por redes de agricultura urbana das 5 macrorregiões do país. Cada instalação trouxe elementos que representam as lutas agroecológicas em zonas urbanas e periurbanas, incluindo plantas, mudas, bandeiras, fotos, folders, produtos agroindustriais e outros.

Clique aqui para assistir a um registro da instalação da região sudeste, que reuniu as experiências da RedeCau e de outros grupos do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.

“Eu observei que o Rio de Janeiro tem muita potência e está fazendo muita coisa. O que a gente não está fazendo é reconhecer o que nós já fazemos e dar mais visibilidade para isso. Às vezes a gente pensa que são pequenas ações, mas são ações importantíssimas e potentes”, conta Valdirene Militão, trabalhadora da FioCruz Mata Atlântica, agricultora urbana, artesã e integrante da RedeCau. Para ela, o encontro também foi um espaço importante de troca e convivência: “Na correria do dia a dia, a gente não tem tempo de estar juntas”, destacou.

No fim da tarde, aconteceu a mesa de abertura do encontro, que contou com a participação do diretor da Fiocruz Pernambuco, Pedro Miguel; da Coordenadora-Geral de Formação, Construção do Conhecimento e Fomento à Ater do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Regilane Fernandes; da Diretora do Departamento de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Patrícia Gentil; da Secretária de Agricultura Urbana do Recife, Adriana Figueira; da coordenadora estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Janja; e da agricultora e gestora ambiental Gilma Martins.

A mesa foi transmitida ao vivo e está disponível na íntegra, no YouTube. Clique aqui para assistir.

Em seguida, houve um debate sobre quem são e quais são as práticas dos sujeitos da agricultura urbana no Brasil. A mesa contou com a participação da socióloga Solô Paiva, que atua no Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP) e na Articulação de Agroecologia e Agricultura Urbana e Periurbana da Região Metropolitana de Recife (AUP); da Coordenadora-Geral de Agricultura Urbana e Periurbana do MDS, Kelliane Fuscaldi; da engenheira florestal e consultora do MDS, Edglênia Lopes; e da assessora e pesquisadora da ONG Fase, Maria Emília Pacheco, que também faz parte da ANA e do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Fbssan).

O que ficou explícito após o debate é que tanto os sujeitos quanto os territórios da agricultura urbana são diversos. Há pequenos e médios quintais, particulares ou comunitários, produzindo alimentos para consumo próprio ou para comercializar (ou para as duas finalidades), sobretudo nas periferias, em ocupações, em comunidades pesqueiras, de povos tradicionais e de terreiro. De acordo com a consultora do MDS, Edglênia Lopes, que fez uma pesquisa sobre o tema, as mãos que cuidam desses quintais são, em sua maioria, de mulheres e de pessoas negras, muitas vezes já idosas e aposentadas e com baixa escolaridade.

O debate também foi transmitido ao vivo. Clique aqui para assistir.

No fim do dia, aconteceu a Feira de Sabores e Saberes das Cidades, com produtos da agricultura urbana e um momento cultural, com apresentações de capoeira, maracatu e outras expressões artísticas. Clique aqui para conferir um compilado de registros audiovisuais do dia.

Foto: @vaness.alcantara/PCR

Na manhã do segundo dia do encontro, os participantes foram divididos em grupos e aconteceram mais de 10 vivências simultâneas, em territórios produtivos da agricultura urbana em Recife (PE). Para a coordenadora de projetos do Pacs, Yasmin Bitencourt, “foi incrível poder visitar essas iniciativas”. “Foi um momento importante de reconhecimento do que os territórios são capazes de realizar e também de aprendizado. Isso impactou muito a todos os participantes”, conta Yasmin.

Para ela, “qualquer encontro nacional precisa ter na metodologia momentos como esse”. “Para nós, do Pacs, que é uma organização que trabalha com a educação popular, é importante saudar realmente as vivências, porque é um legado de Paulo Freire e de tantos outros pensadores e pensadoras da educação popular essa provocação a partir da prática”, diz Yasmin.

À tarde, após o retorno das vivências, houve um momento para a partilha de como foi cada experiência e, no fim do dia, aconteceu o lançamento de livros e a exibição de filmes relacionados ao tema do encontro, além da Feira de Sabores e Saberes das Cidades, que fechou o dia com apresentações artísticas e culturais novamente. Clique aqui para conferir alguns registros audiovisuais deste dia.

Na manhã do terceiro dia de programação, aconteceu um debate sobre a relação da agricultura urbana com o direito à cidade, a justiça climática e o combate à fome. Diversas lideranças de movimentos populares participaram da mesa: Luiza Carolina, da ANA, Jô Cavalcanti, do MTST, e Denis Teixeira, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

Na ocasião, a representante da ANA, rede que o Pacs também integra, apresentou os dados parciais de um mapeamento de experiências de agroecologia e justiça climática realizado pela rede há cerca de dois meses. Das 530 experiências mapeadas, 200 são de agricultura urbana – e os dados mostram que quem está na liderança dessas iniciativas são, em sua maioria, mulheres (54%) e pessoas pretas e pardas (42%). Ou seja, “sem agricultura urbana, não tem promoção de justiça climática e agroecologia”, como resumiu Luiza Carolina, representante da ANA.

A mesa também foi transmitida ao vivo. Clique aqui para assistir.

À tarde, aconteceu um debate sobre as políticas públicas para a agricultura urbana no país, que contou com a participação da Secretária Executiva de Agricultura Urbana do Recife (PE), Adriana Figueira, do agrônomo da Prefeitura de Teresina (PI), João Emilio Lemos Pinheiro, da Diretora de Agricultura Urbana da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Trabalho e Segurança Alimentar de Contagem (MG), Ariele Martins, e da assistente de pesquisa da rede A Ponte, Lilian Corôa.

Na ocasião, houve o compartilhamento de experiências locais inspiradoras e a apresentação de um panorama dos estados e municípios que já tem uma Política ou Programa de Agricultura Urbana. De acordo com os dados apresentados por Lilian Corôa, 12 estados já tem políticas desse tipo, enquanto 10 não têm. Em 5, há propostas em tramitação. No caso dos municípios, o cenário é pior: só 39 municípios tem uma Política Municipal de Agricultura Urbana.

A mesa também foi transmitida ao vivo. Clique aqui para assistir.

Após o debate, aconteceram quatro rodas de conversa simultâneas: uma sobre políticas municipais, uma sobre a construção do conhecimento e a assistência técnica na agricultura urbana, uma sobre tecnologias sociais e uma sobre saúde.

O dia foi encerrado novamente com atividades culturais regionais. Clique aqui para conferir alguns registros audiovisuais do dia.

No quarto e último dia de atividades, foi realizada a plenária final do encontro, onde foi aprovada uma carta política, que resume as principais discussões do II ENAU e traz reivindicações das agricultoras e agricultores. O texto está disponível aqui.

A carta aponta que “mesmo após 10 anos entre a primeira edição do Encontro Nacional e agora, a agricultura urbana segue encontrando desafios estruturantes para seu reconhecimento e visibilidade na agenda pública”.

“Apesar da aprovação da Política Nacional de Agricultura Urbana e da estruturação do Programa Nacional, as iniciativas ainda encontram impedimentos no acesso a recursos, o orçamento público é restrito e a participação social é insuficiente e localizada”, diz o texto, que reivindica mais participação e diálogo no planejamento e execução das políticas voltadas para o setor.

Após a plenária, houve um momento de troca de sementes e mudas e em seguida os participantes do encontro realizaram um ato contra o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que ficou conhecido como PL da Devastação e acabou aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado, com vetos, pelo presidente Lula, dias após o ENAU.

A carta política do encontro afirma que a proposta, que enfraquece os processos de licenciamento ambiental de empreendimentos poluidores, “representa um grave ataque às áreas protegidas e aos povos e comunidades tradicionais defensores do território”, que “afeta vários territórios com presença de experiências de agricultura urbana e agroecológica”.

Clique aqui para conferir alguns registros audiovisuais do dia.

A partir das reflexões e trocas que permearam os quatro dias de atividades do II ENAU, o CNAU elaborou uma carta reunindo propostas para o governo federal, no âmbito do Programa Nacional de Agricultura Urbana. São elas:

  • A realização de uma reunião entre Governo Federal e o Coletivo Nacional de Agricultura Urbana para avaliação do 2º ENAU, atualizações e indicações de prioridades para o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana ainda no segundo semestre de 2025;
  • Ampliação do Grupo de Trabalho do Programa Nacional de Agricultura Urbana, com a integração e implicação dos Ministérios da Cidade, Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia;
  • Construir políticas públicas voltadas às experiências de redes populares de agricultura urbana em territórios periféricos junto à Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades, considerando que o 2º Encontro Nacional de Agricultura Urbana reuniu representantes de periferias de 20 estados brasileiros;
  • Ampliação do Prêmio de Agricultura Urbana para o fortalecimento de experiências nos territórios, com formato desburocratizado para inscrição, seguindo a referência do Prêmio Periferia Viva;
  • A criação de editais para a estruturação de experiências nos territórios voltados, prioritariamente, para organizações da sociedade civil, construídos junto com o CNAU;
  • O financiamento de projetos, prioritariamente via organização da sociedade civil, para o fortalecimento das redes territoriais e do CNAU, em capitais e regiões metropolitanas, pequenos e médios municípios, prevendo formação, intercâmbios e encontros regionais e nacional de agricultura urbana (3º ENAU);
  • A continuidade e expansão do projeto de construção do conhecimento sobre agricultura urbana, saúde e agroecologia coordenado pela Fiocruz em parceria com o CNAU e com as redes territoriais de agricultura urbana;
  • A realização da 1ª Feira Nacional da Agricultura Urbana em 2026.

Clique aqui para conferir a carta do CNAU na íntegra.

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