Alternativa: Instituto PACS participa de revisão do Comitê CEDAW da ONU e denuncia impactos dos megaprojetos na vida das mulheres
A Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) é o primeiro tratado internacional sobre direitos humanos dedicado especificamente às mulheres e meninas. Ele foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1979 e hoje é adotado por 189 países – dentre eles, o Brasil. O Comitê CEDAW é responsável por fazer revisões periódicas, para monitorar se esses países estão cumprindo de fato a Convenção. A última vez que as políticas adotadas pelo Brasil foram avaliadas foi durante a 88ª sessão do Comitê, realizada em maio de 2024, em Genebra, na Suíça. A coordenadora de projetos e integrante da coletiva de gestão do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), Ana Luisa Queiroz, participou desse processo e denunciou os impactos dos megaprojetos de desenvolvimento na vida das mulheres.





Em abril, cerca de um mês antes do encontro em Genebra, o Instituto Pacs já havia enviado um relatório-sombra para o Comitê CEDAW, apontando que “as indústrias extrativista, de infraestrutura e de energia afetam de forma diferenciada os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das mulheres, entretanto, nem os Estados e nem as empresas têm prestado atenção o suficiente às suas respectivas obrigações em relação aos direitos das mulheres”.
O texto explica que “as empresas envolvidas em megaprojetos não consideram as mulheres como sujeitos de direitos” e que “a masculinização do mercado de trabalho reforça a dependência econômica das mulheres em relação aos maridos ou outros parentes do sexo masculino”. Quando as mulheres conseguem uma vaga para trabalhar em um megaprojeto, geralmente é na equipe de limpeza, onde ficam mais expostas a resíduos tóxicos e são mal remuneradas.
Além disso, os impactos dos megaprojetos ao meio ambiente têm prejudicado o modo de viver de mulheres indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras e agricultoras, que mantém uma relação muito íntima e direta com a terra que habitam. Sem acesso à água e à terra, elas não conseguem garantir alimentos e renda para suas famílias.
A poluição ambiental também aumenta o número e a frequência de familiares doentes, o que implica no aumento da carga de trabalho doméstico e de cuidado, que geralmente é responsabilidade das mulheres, sobrecarregando-as ainda mais.
Um exemplo está na Zona Oeste do Rio de Janeiro (RJ), no bairro Santa Cruz, onde está instalada a maior siderúrgica da América Latina, a Ternium Brasil (antiga TKCSA). As mulheres do bairro relatam que precisam limpar suas casas todos os dias e às vezes até mais de uma vez por dia, por causa do pó preto que sai da siderúrgica e invade os seus quintais e corpos. Elas também denunciam que após a instalação do empreendimento houve um aumento dos casos de depressão e de doenças respiratórias, dermatológicas, oftalmológicas e oncológicas, por causa da exposição à poluição e da falta de acesso à assistência médica especializada. A capacidade de produzir alimentos na área, que era considerada um “cinturão verde” da cidade e tinha muitos pescadores e agricultores, também foi afetada pela poluição, o que impactou na renda das famílias.

O relatório-sombra também aponta que os megaprojetos estão associados ao aumento da violência sexual. Em Porto Velho (RO), por exemplo, a construção das barragens de Jirau e Santo Antônio gerou um aumento de 208% nos casos de violência sexual contra mulheres de diferentes faixas etárias.
À medida que a violência sexual aumenta, também aumenta o número de mulheres com infecções sexualmente transmissíveis e gravidezes indesejadas. Em Altamira (PA), por exemplo, as taxas de gravidez na adolescência cresceram durante a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Uma rede de exploração sexual de adolescentes, travestis e indígenas foi identificada na cidade, que se tornou uma das mais violentas do país.
Com medo, as mulheres desses territórios estão perdendo o direito de ir e vir.
O texto ainda aponta outras violações de direitos das mulheres e casos em que apenas os homens são oficialmente reconhecidos como afetados e recebem indenização, o que impacta na autonomia das mulheres.
Confira o documento na íntegra aqui.
Durante a 88ª sessão do Comitê CEDAW, em Genebra, a coordenadora do Instituto Pacs, Ana Luisa Queiroz, apresentou esses dados e denúncias a outras organizações da sociedade civil, aos representantes do governo brasileiro e da ONU. Ela também mediou a mesa de diálogo “Implementação das recomendações do Comitê CEDAW no Brasil”, promovida pela ONU Mulheres, Geledés, CLADEM Brasil e Instituto Brasileiro de Direitos Humanos. O evento foi transmitido pela internet e está disponível aqui.
Conclusões do Comitê
O Comitê CEDAW promoveu a revisão das políticas brasileiras para a eliminação da discriminação contra as mulheres no dia 23 de maio, mas só divulgou sua avaliação e recomendações em junho. O Comitê demonstrou preocupação principalmente com o aumento do número de feminicídios e casos de violência sexual e violência doméstica, destacando que a violência afeta desproporcionalmente alguns grupos populacionais, como as mulheres e meninas negras, indígenas e quilombolas.
Outra preocupação foi com as diversas formas de violência contra mulheres defensoras de direitos humanos, mulheres jornalistas, ativistas ambientais e lideranças comunitárias e de favelas.
O órgão incentivou o Brasil a reforçar a implementação de uma série de políticas públicas, como a Casa da Mulher Brasileira e o programa Mulher Viver sem Violência, e recomendou que o país criminalize a violência online, os ciberataques e as campanhas de desinformação, com foco na violência baseada em gênero. Outra recomendação foi de que o Brasil implemente com urgência a Política Nacional de Cuidados, para promover uma distribuição mais justa das responsabilidades familiares e domésticas.
Por fim, o Comitê recomendou que o Estado brasileiro proteja mulheres negras, indígenas e quilombolas da ocupação ilegal e remoção forçada das terras que tradicionalmente elas ocupam e solicite consentimento prévio e informado das comunidades sobre qualquer tipo de atividade econômica exercida em suas terras, assim como a divisão adequada de seus benefícios, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Confira aqui a avaliação e as recomendações do Comitê.
Para a coordenadora do Instituto Pacs, Ana Luisa Queiroz, “é preciso avançar na identificação das empresas como agentes violadores dos direitos das mulheres e na elaboração de mecanismos de prevenção, monitoramento e reparação, pois o que temos observado é um uso repetitivo da imagem feminina em peças de publicidade pretensamente inclusivas, enquanto, nos territórios, as práticas extrativistas violam seus corpos e territórios, produzindo acumulação de capital a partir da superexploração das mulheres”. Ela afirma que “existe uma conta oculta sobre quem paga pelos custos de um megaprojeto e o Estado brasileiro precisa romper com esse ciclo violento”.