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Instituto Pacs realiza o I Encontro Nacional da Caravana Contra os Racismos Religiosos

Entre os dias 22 e 26 de novembro de 2024, Belo Horizonte sediou o Primeiro Encontro Nacional da Caravana contra os Racismos Religiosos. O evento consolidou parcerias com coletivos de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco e Salvador, inicialmente estabelecidas durante a produção do documentário “Territórios de Fé: Resistências contra os Fundamentalismos” (2022-2023). Foi uma oportunidade para fortalecer laços e promover trocas entre lideranças de comunidades de terreiro, quilombolas e povos indígenas, marcando um passo significativo rumo à integração das religiosidades indígenas por meio da participação na Pisada de Caboclo, uma celebração que une povos de terreiro e povos originários. O encontro teve como principal objetivo refletir coletivamente sobre os próximos passos da Caravana. 

Além da Pisada de Caboclo, a Caravana visitou o Kilombo Família Souza Resiste, o Kilombo Manzo Ngunzo Kaiango e a Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente. Foram realizadas rodas de conversa onde lideranças compartilharam suas trajetórias, lutas pela fé e pelo território, além de estratégias de resistência e criação. Participaram dessas atividades a equipe do PACS, composta por Yasmin, Aline e Thais, e parceiros como Gilmara Santana (PE), representante da Rede Tumulto e co-coordenadora da Caravana, Candai Calmon (BA), de Koinonia, Pai Lívio (PE), Babalorixá do Ilê Axé Ayabá Omi, Terreiro Salinas, e Mãe Flávia (RJ), Mãe de Santo do Terreiro das Águas.   

O Encontro Nacional retornou a Belo Horizonte após atividades realizadas em agosto de 2024, quando integrantes da equipe do PACS e parceiros participaram da Festa de Iemanjá, realizada anualmente na Lagoa da Pampulha. A festa, reconhecida como patrimônio imaterial da cidade, simboliza o reconhecimento das heranças negras e a importância das comunidades de axé para Belo Horizonte. Foi uma ocasião para celebrar a organização dos terreiros e a efervescência de iniciativas públicas em prol da proteção das comunidades de matriz africana. Nesse retorno, a Caravana fortaleceu parcerias já existentes e recebeu novas adesões, como o Kilombo Família Souza Resiste e o Centro Espírita Pai Benedito de Aruanda.  

No dia 23 de novembro, a Caravana conheceu a experiência do Kilombo Família Souza Resiste, guiada por Mãe Gláucia, líder espiritual do quilombo e responsável pelo cuidado com os guias de sua mãe, matriarca e pioneira da comunidade. Localizado no bairro nobre de Santa Tereza, em meio a uma área intensamente urbanizada, o quilombo enfrenta pressões constantes pelo direito ao seu território e às suas práticas ancestrais. A família, composta por mais de 30 pessoas, ocupa um terreno reconhecido como Patrimônio Imaterial de Belo Horizonte e pela Fundação Palmares como remanescente de quilombo.  

Apesar do reconhecimento, a comunidade sofre com conflitos com a vizinhança, que culminaram em uma ordem de despejo em 2019. Essa adversidade fortaleceu as estratégias de resistência do quilombo, que, em parceria com pesquisadores, parlamentares e advogados populares, produziu um dossiê para defender a titulação do território. Como resultado, em 2019, o quilombo recebeu a titulação pela Fundação Palmares e, em 2020, foi reconhecido como Patrimônio Imaterial de Belo Horizonte. Para compartilhar suas estratégias, o Kilombo Souza formou uma rede com 62 comunidades de Minas Gerais e organizou o evento “Kilombo reconhece Kilombo”, que debate ações de fortalecimento e autonomia dos territórios.  

No mesmo dia, a Caravana visitou o Kilombo Manzo Ngunzo Kaiango, onde continuou o diálogo sobre as intersecções entre comunidades tradicionais e a luta contra os racismos religiosos. A visita foi conduzida pelas matriarcas Mametu Muiadê, Makota Kidoiale e Mãe Sessy. Makota Kidoiale destacou a necessidade de ampliar a concepção de quilombos, reconhecendo comunidades negras que não se enquadram nos critérios rígidos do Estado. Ela falou sobre as particularidades dos quilombos urbanos e as dificuldades de viver sem espaço para plantar e colher, realidade comum a muitos desses territórios. Para ela, a luta pela regularização fundiária deve integrar o combate ao racismo em suas diversas formas, incluindo o religioso.  

Makota Kidoiale também ressaltou que a macumba é uma reconexão com modos de vida ancestrais, perseguidos pela racionalidade capitalista-colonial. Segundo ela, “Nossos ebós são agroecologia, e as relações de terreiro são pedagogia”. Há muito tempo, povos de terreiro, quilombolas e indígenas são guardiões da natureza, antecedendo o atual debate sobre o colapso climático.  

No dia 24, a Caravana participou da Pisada de Caboclo, evento idealizado pela Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente em parceria com lideranças indígenas Maxakali, Xacriabá, Pataxó, Pataxó Hã-hã-hãe, Quechua, Kamakã Mongoió, Guaranis, Tupinambás, Huni Kuin e outros terreiros da região metropolitana de Belo Horizonte. Originalmente realizado no Parque Lagoa do Nado, o evento foi transferido para o Parque das Mangabeiras devido ao rompimento da barragem da lagoa artificial dias antes.  

A cerimônia começou com o plantio de árvores sagradas, como o Urukun, em homenagem ao Cacique Merong, do povo Pataxó Hã-hã-hãe, militante pelos direitos indígenas e contra a mineração e o agronegócio, assassinado em março de 2024. Também foram plantados o Akoko e o Igi Opé, árvores sagradas para os povos de terreiro. O ritual seguiu com cantos e defumação, liderados pelas lideranças indígenas presentes, que formaram uma roda junto com as lideranças de terreiro, simbolizando a união entre os povos. 

No dia 25, encerramos as atividades no Terreiro Pai Jacob do Oriente, localizado na comunidade do Buraco Quente, em Belo Horizonte. O terreiro, além de seu trabalho espiritual, desenvolve um importante trabalho comunitário. A visita foi conduzida por “Pai Ricardo”, que apresentou o terraço onde são cultivadas ervas sagradas, uma estratégia essencial diante da falta de espaços para plantio na região.  

A Caravana também conheceu a sede do “Orisamba”, bloco de carnaval formado por membros do terreiro, que realiza cortejos na Lagoinha e oferece aulas de percussão e confecção de instrumentos. Outro destaque foi a visita à “Casa das Três Marias”, onde é desenvolvido um projeto de saúde integrada, com atendimentos comunitários e iniciativas ligadas à medicina natural e agroecologia.  

Por fim, no salão da umbanda, realizamos uma roda de conversa para elaborar sonhos e planos para a Caravana contra os Racismos Religiosos em 2025. Nela trocamos sobre as perspectivas para a iniciativa no futuro, esboçamos um calendário coletivo e indicamos a realização de um planejamento no inicio de 2025. O Primeiro Encontro Nacional da Caravana Contra os Racismos Religiosos foi um marco significativo na luta pelos direitos das comunidades e religiosidades de matriz africana e indígena. Ao fortalecer parcerias, promover diálogos e celebrar a união entre povos de terreiro, quilombolas e indígenas, a Caravana reafirmou seu compromisso com a resistência aos fundamentalismos. Em 2025, seguiremos unidas, ampliando vozes e fortalecendo territórios e práticas ancestrais, na defesa da diversidade religiosa.

Confira mais fotos do I Encontro Nacional da Caravana Contra os Racismos Religiosos a seguir: