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Semana do meio ambiente – Proteger o meio ambiente é proteger o futuro

Artigo escrito pela assesssora político-pedagógica do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), Carmen Castro. Socióloga e doutora em planejamento urbano e regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela participa do núcleo Rio de Janeiro do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, representando o Pacs. Edição por Mylena Melo, assessora de comunicação do Pacs.

Nesta Semana do Meio Ambiente, para protegermos a natureza em toda a sua complexidade e a nós mesmos, pela vida, para sonharmos com o futuro e “adiar o fim do mundo”, como diz Ailton Krenak, temos a tarefa de lutar contra o Projeto de Lei nº 2.159/2021, o PL da Devastação.

O texto aprovado às pressas no Senado, no último dia 21 de maio, piorou muito a proposta original. Foram tantas mudanças, que o PL precisou voltar à Câmara dos Deputados. De acordo com a Carta Capital, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), está só esperando passar a Semana do Meio Ambiente e o 11º Fórum do Brics para colocar o PL em pauta.

A proposta tem afrouxamentos nas etapas do licenciamento ambiental, como estudos de impactos e monitoramento socioambiental, e permite o autolicenciamento de empreendimentos potencialmente danosos, como barragens de mineração – como as que geraram as tragédias-crimes de Mariana e Brumadinho. Trata-se de um retrocesso de quatro décadas de lutas e resistências pelo meio ambiente e pelo futuro de gerações.

Rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019. Foto: Felipe Werneck/Ibama

No dia 1º de junho, milhares de pessoas, em diferentes cidades do país, incluindo o Rio de Janeiro, foram às ruas para protestar contra o PL da Devastação, também chamado de “mãe de todas as boiadas”. No próximo sábado, dia 7 de junho, teremos a continuidade desta luta, com mobilizações no Brasil inteiro. No Rio de Janeiro, a Coalizão pelo Clima está convocando a Marcha pelo Clima, na Praça Mauá, em frente ao Museu do Amanhã, a partir de 10h. Também há um abaixo-assinado para que o PL não entre na pauta da Câmara dos Deputados. Para assinar e saber mais, acesse pldadevastacao.org.

Aquecimento global: mudanças, crise ou colapso climático?

“É sempre mais fácil empurrar com a barriga e deixar o abacaxi para os netos. Mas, enquanto o mundo fica parado olhando, a temperatura e a água vão subindo”
Mentira (Mano Chao, 1998)

No último dia 28 de maio, a Organização Meteorológica Mundial (WMO, em inglês) atualizou a previsão de que as temperaturas médias globais ultrapassarão as marcas alcançadas em 2024 – o ano mais quente já registrado em 175 anos. A temperatura poderá atingir até 1,9ºC até o fim desta década. Este nível de aquecimento rompe a meta do Acordo de Paris (2015) de 1,5oC estimada para 20 anos. O período de 2025 a 2029, deverá ter aumento dos riscos climáticos e impactos sobre os biomas, as pessoas, os modos de existência e trabalho sustentáveis, as sociedades, as economias e as culturas no planeta.

Devido à aceleração dos efeitos climáticos, a questão climática e ambiental vem ganhando cada vez mais espaço nos debates de distintos setores da sociedade. Tanto progressistas quanto conservadores. Sujeitos dos mundos do trabalho e do capital passaram a se posicionar a partir de interesses diferentes e, em alguns casos, antagônicos. De um lado, quem defende a preservação da natureza e os modos de vida e trabalho integrados aos ciclos naturais com mais igualdade, equilíbrio e equidade, que ainda patinam por conseguir adesões contundentes para barrar o avanço da destruição capitalista. De outro, aqueles que se articulam econômica e politicamente para que setores do capital continuem mantendo o crescimento de seus investimentos e a concentração dos seus lucros, conseguem gerar ações contrárias à contenção da aceleração da destruição e avançam na espoliação da natureza por recursos naturais – vide a aprovação do PL da Devastação e os ataques à Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima no Senado.

Votação do PL da Devastação no Senado Federal. Foto: Andressa Anholete/Agência Senado

No Brasil, a preocupação e as consequências do aquecimento global vêm sendo sentidas diretamente em comunidades e territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores familiares, periféricos, de pescadoras e pescadores; sendo mais penosos sobre as mulheres negras, jovens, crianças, idosas/os, LGBTQIAPN+, entre outros sujeitos em que se sobrepõem desigualdades e opressões. O desmatamento, as queimadas, as monoculturas, a exploração mineral não cessam porque os megaprojetos do agronegócio, da mineração e da energia, incluindo as renováveis, não param de se expandir, com incentivos e financiamentos públicos e privados sobre áreas de preservação e terras destinadas a modos de vida e trabalho comunitários e sobre direitos duramente conquistados.

O aumento de secas, ondas de calor, incêndios e enchentes, com intervalos cada vez menores, gera ameaças e impactos, alguns irreversíveis, juntamente com a superexploração do trabalho. Os capitais que pressionam pela sua expansão contam com suportes políticos institucionais do Estado e de governos de diferentes nuances político-ideológicas para agirem com violência contra as/os defensores de áreas de preservação e de comunidades tradicionais – haja vista Chico Mendes, Dorothy Stang, Dom Phillips, Bruno Pereira, Mãe Bernadete, entre outras/os lutadores. Os megaprojetos de desenvolvimento promovem o racismo ambiental, aprofundando as desigualdades socioeconômicas e de acesso a direitos sociais e serviços básicos, além dos crimes socioambientais com contaminações, poluições e tragédias dos resíduos de suas produções.

Estas mudanças climáticas são passageiras ou permanentes? Ou são uma crise climática? A crise climática é estrutural? Estamos em pleno colapso climático? Estas são perguntas com as quais nos confrontamos coletivamente, para entendermos em que momento estamos e como agir agora, diante do patamar atingido pela destruição capitalista.

O que vem sendo apresentado como saída pelo capitalismo não desacelera a exploração do trabalho, a expropriação de comunidades e territórios e a espoliação da natureza – como a chamada transição energética, com as energias renováveis e o “combustível verde”. São falsas e ilusórias soluções. Na verdade, os dados vêm demonstrando que estas novas energias aumentam a demanda e aceleram a corrida por minérios chamados de “críticos” e compõem o empilhamento de fontes de energias com a continuidade e permanência das energias fósseis.

Cop30: arena em disputa?

A cerca de meio século, alertas vêm sendo dados sobre o aquecimento do clima no planeta e as consequências para a vida na terra, com relatórios científicos e encontros para debater o tema. A primeira Conferência do Clima data de 1979, em Genebra, e a sua declaração chamou a atenção para o perigo do acúmulo de gás carbônico (CO2) na atmosfera. Na sequência, contínuas denúncias foram sendo feitas sobre a tendência real de aumento da temperatura e os efeitos disto para a vida no planeta.

A II Conferência para Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92, que aconteceu no Rio de Janeiro, foi um marco, por reunir representantes de 179 países para debaterem desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente. Porém, as declarações – que resultaram em documentos como a Agenda 21; Convenções da Biodiversidade, da Desertificação, das Mudanças Climáticas; Declarações de princípios sobre florestas, e Ambiente e Desenvolvimento; e a Carta da Terra – não foram suficientes para gerar ações políticas que detivessem o atual patamar de risco ambiental. A Rio+20, outro feito diplomático, com quase duzentos representantes de diferentes países, teve como tema o Desenvolvimento Sustentável e estabeleceu diretrizes para uma tida economia sustentável – criticada como capitalismo verde, por seu discurso mais palatável, mas de ação depredatória.

Os aparentes compromissos se deram por dentro da manutenção da expansão capitalista e dos reais acordos neoliberais de crescimento econômico entre os Estados e os diferentes capitais. Assim, não houve a redução, mas sim o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Primeiro, foi produzido o protocolo de Quioto, de redução das emissões de GEE (Quioto-1997), com metas específicas e com a definição de períodos de adaptação para os países desenvolvidos. Quase vinte anos depois, o protocolo foi substituído pelo Acordo de Paris (2015), com novas metas e compromissos relativos à redução de GEE e à adaptação às mudanças climáticas como novo patamar de incorporação da alteração do clima.

As conferências seguintes pautaram a questão do financiamento ambiental a ser assumido pelos países mais ricos e, com estas, o capital financeiro avistou a possibilidade de lucrar (Egito-2022; Dubai-23; Baku-24). As críticas de setores sociais se deram sobre o fornecimento de empréstimos pelos países ricos e o endividamento de países mais pobres e o aprofundamento de dependência de suas economias. Na última Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP), que aconteceu em Baku, no Azerbaijão, em 2024, ficou registrada a frustração de diferentes setores defensores da preservação ambiental, com o rompimento de países com os acordos e as metas de adaptação climática até então definidas, diante à urgência climática, e com o recuo sobre a diminuição da exploração e produção de combustíveis fósseis, fruto da articulação de países produtores de petróleo.

O mercado de carbono tomou conta do espaço de debate – mesmo enfraquecendo a própria meta de 1,5oC, de controle do aumento da temperatura, já que permite aos grandes poluidores pagarem por créditos de carbono para continuarem a poluir. O acordo sobre financiamento climático dos países ricos, que ficou na cifra de U$300 bilhões anuais para ações de combate e adaptação à crise climática, também foi objeto de frustração. Delegações de países insulares chegaram a abandonar a Conferência em protesto aos seus resultados.

Placas de obras em comunidade da Vila da Barca. Foto: Fernando Assunção/Alma Preta

A COP30, que vai acontecer em novembro deste ano, no Brasil, já vem impactando comunidades como a Vila Barca, em Belém, com resíduos das obras do megaevento, aprofundando o racismo ambiental. Os debates desta Conferência ainda deverão se dar em torno das questões do financiamento e da finalização de indicadores da Meta Global de Adaptação e de eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Entretanto, o descrédito paira no ar, tendo em vista a possibilidade de novos recuos nas metas, a ausência de mecanismos efetivos para o cumprimento dos acordos firmados pelos países e a dinâmica predatória do crescimento econômico que não pode ser freada sem luta social.

O histórico das últimas conferências demonstram que as COPs, como arena de disputa, não têm demonstrado capacidade de fazer com que as resoluções tiradas se tornem medidas concretas – um limite dos espaços de governança da Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecido até mesmo pelo presidente Lula, em seu discurso no encerramento do Encontro do G20. Este espaço vem sendo cada vez mais tomado por stands de corporações, para fazerem propaganda da aparência do capitalismo verde, que maquia a contínua destruição de seus megaprojetos. Na prática, não há espaço real para as vozes dos mais impactados e para as críticas ao modelo capitalista de desenvolvimento, implementado pelos governos.

Como enfrentar a aceleração do aquecimento global, juntamente com as falsas soluções de transição energética e retrocessos políticos?

“Queremos saber/O que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria
E suas implicações/
Na emancipação do homem
Das grandes populações
Homens pobres das cidades
Das estepes, dos sertões”
Queremos saber (Gilberto Gil, 1976)

Pesquisas científicas comprovam que nos últimos trinta anos se acelerou a destruição com o aumento do uso de combustível fóssil e dos desmatamentos realizados pelos grandes empreendimentos. Atingimos um ponto decisivo e trágico de aceleração das previsões de aquecimento climático e as consequências de eventos extremos com derretimento de gelo polar, inundações, secas e ondas de calor. Evidências cotidianas vêm sendo vivenciadas nas condições de vida, de saúde física e mental, de acesso a bens e serviços básicos, principalmente nas comunidades mais empobrecidas, entre as mulheres negras e pessoas mais vulnerabilizadas pelas condições capitalistas de sobrevivência – vide a seca de enormes rios na Amazônia em 2024.

A irracionalidade capitalista nos joga no abismo e vai na contramão da necessidade de proteger os ciclos da natureza. A América Latina vem sendo mantida como primário-exportadora da cadeia econômica capitalista e a nova rodada de concentração de riqueza aprofunda a desigualdade. As falsas soluções de transição energética vêm mantendo a dinâmica predatória – como os parques de energia eólica e a exploração de lítio para baterias de energia solar – e impactando as comunidades no interior do país e alterando ciclos de vida de aves e insetos necessários para a manutenção de biomas. Os megaprojetos violam direitos humanos e expropriam continuamente bens comuns naturais como recurso econômico para a produção de empresas públicas e privadas, nacionais e internacionais – como por exemplo a terra e a água que estão sendo contaminadas e esgotadas por processos produtivos da cadeia minero-siderúrgica, agroexportadores e de energia. A publicação “Direitos Humanos e Empresas: Violações socioambientais e mecanismos de denúncia”, do Instituto Pacs, em parceria com Due Process of Law Foundation (DPLF) e Misereor, se aprofunda neste tema. Assim como a publicação “Mudanças Climáticas e Siderurgia: impactos locais e globais da Ternium Brasil”, do Instituto Pacs em parceria com o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental.

A dificuldade da atual institucionalidade de poder neoliberal e neodesenvolvimentista, entre e intra países, em dar respostas para os riscos ambientais graves que já enfrentamos, apontam para a necessidade de alternativas anti-capitalistas. A necessidade de decrescimento econômico, não colocada nas mesas de decisão político-institucional, urge, para que haja a possibilidade de futuro. O momento carece de alteração profunda do processo de crescimento constante, da expansão do extrativismo, da agropecuária predatória, da exploração da energia fóssil, da superexploração do trabalho, da espoliação da natureza e da expropriação de direitos e bens comuns – juntamente com a necessidade de redistribuição e participação da acumulação realizada nos ciclos de circulação do capital.

Há diversas resistências para nos inspirar a construir outros futuros possíveis – de modos de vida integrados à natureza, iniciativas de extrativismos sustentáveis, a agroecologia e a solidariedade social nas comunidades tradicionais, entre indígenas, quilombolas, povos de terreiro, mulheres agricultoras, pescadores, ribeirinhos e tantas outras. Experiências e aprendizados de proteção da natureza e da vida, com os quais precisamos dialogar para nos fortalecer e, também, para continuar, na luta para que façamos ecoar as vozes populares e as críticas frontais ao atual modelo de desenvolvimento. Para que, coletivamente e articulados na luta, possamos barrar este processo de morte e apontar saídas de emergência.

“Queremos viver
Confiantes no futuro
Por isso se faz necessário
Prever qual o itinerário da ilusão
A ilusão do poder
Pois se foi permitido ao homem
Tantas coisas conhecer
É melhor que todos saibam
O que pode acontecer
Queremos saber
Queremos saber
Todos queremos saber”
Queremos saber (Gilberto Gil, 1976)

Referências e fontes de dados:

Como o governo Lula colaborou para aprovar o PL da Devastação – Sumaúma

WMO Global Annual to Decadal Climate Update (2025-2029) – World Meteorological Organization (WMO)

Uma “transição energética” de costas às comunidades – Instituto Humanitas Unisinos

Estudo aponta que enchentes de 2024 foram maior desastre natural da história do RS e sugere caminhos para futuro com eventos extremos mais frequentes – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)

Em 2011, chuva na Região Serrana deixou mais de 900 mortos – G1

Dom e Bruno: 3 anos após crime, Vale do Javari continua sob ameaça – Brasil de Fato

Estudos de Casos de Impactos Socioambientais e Violações de Acordos Internacionais por Megaempreendimentos nos Estados do Ceará, Rio de Janeiro e Pernambuco – De Mãos Dadas Criamos Correnteza

Mudanças Climáticas e Siderurgia: impactos locais e globais da Ternium Brasil – Instituto Pacs

A dor de Mariana que se repete em Brumadinho – Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale

Transição energética vira “empilhamento” de fontes – Jornal da Ciência

Podcast “O Som da Ciência” sobre transição energética

O decênio decisivo, com Luiz Marques – TV 247

O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência – Luiz Marques

Crise climática, extração de minerais críticos e seus efeitos para o Brasil – Bruno Milanez

Falta de menção a combustíveis fósseis frustra países em esboço de decisão na COP29 – ClimaInfo

O que foi decidido na COP29. E o que fica para a COP no Brasil – Nexo Jornal

A COP do clima entrega o futuro do planeta ao mercado – Sumaúma

Favela de palafitas recebe esgoto e entulhos de bairro nobre em obra da COP30 – Agência Pública

Obra da COP30 vai levar esgoto de área nobre em Belém para comunidade de palafitas – Brasil de Fato

Discurso do presidente Lula na Sessão de Abertura da Reunião Ministerial do G20

Amazonas teve ano de colapso ambiental, com seca extrema e mais de 25 mil focos de queimadas – G1

Pós-extrativismo e decrescimento: saídas do labirinto capitalista – Alberto Acosta e Ulrich Brand

Relatório da Oxfam lançado em Davos prevê que haverá pelo menos cinco trilionários daqui a uma década – Oxfam Brasil

Comunidades do Vale do Jequitinhonha sofrem com impactos socioambientais da “corrida do lítio” – Cáritas Brasileira

Água: quem paga tem, e quem não pode pagar, fica sem? – ONG Fase

Morte das águas no Oeste da Bahia: mapeamento identifica mais de 3 mil trechos secos – Brasil de Fato

Turbinas eólicas são inimigas de aves regionais e migratórias – Público

Direitos Humanos e Empresas: Violações socioambientais e mecanismos de denúncia – Instituto Pacs, DPLF e Misereor